Os rios de um dia (João Cabral de Melo Neto)
Data 14/05/2018 19:05:32 | Tópico: Poemas -> Dedicatória
| Os rios, de tudo o que existe vivo, vivem a vida mais definida e clara; para os rios, viver vale se definir e definir viver com a língua da água. O rio corre; e assim viver para o rio vale não só ser corrido pelo tempo: o rio corre; e pois que com sua água, viver vale suicidar-se, todo o tempo.
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Por isso, que ele define com clareza, o rio aceita e professa, friamente, e se procuram lhe atar a hemorragia, ou a vida suicídio, o rio se defende. O que um rio do Sertão, rio interino, prova com sua água, curta nas medidas: ao se correr torrencial, de uma vez, sobre leitos de hotel, de um só dia; ao se correr torrencial, de uma vez, sem alongar seu morrer, pouco a pouco, sem alongá-lo, em suicídio permanente ou no que todos, os rios duradouros; esses rios do Sertão falam tão claro que induz ao suicídio a pressa deles: para fugir na morte da vida em poças que pega quem devagar por tanta sede.
*João Cabral de Melo Neto (9/1/1920, Recife - 9/10/1999, Rio de Janeiro) foi um poeta e diplomata brasileiro. Sua obra poética, marcada pelo rigor estético, com poemas avessos a confessionalismos e marcado pelo uso de rimas toantes, inaugurou uma nova forma de fazer poesia no Brasil.
Pintura: Rio São Francisco, Impressões Brasileiras - Livro Velho Chico, coletânea por Elson Fernandes.
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