
VÊNUS VETUSTA
Data 25/05/2018 12:33:43 | Tópico: Poemas
| VÊNUS VETUSTA
O Tempo tudo nos muda, Deteriora, envelhece... Nunca a ninguém ele ajuda! Por segar a sua messe, Colhe da face desnuda A rósea maçã carnuda De quem seu lavor padece.
As belas neves d'outrora Onde estarão? Onde estão Da florescente Senhora Seus olhos que nem clarão? Quase nada veem agora Se quando o sol vai-se embora Só lhe deixa escuridão...
'Té o rosto lhe é estranho Tal-qual a mão sob a luva: Envelhecida no amanho, A pele se fez murcha uva; Em prata, o cacho castanho E o véu de noiva d'antanho Hoje um xale de viúva...
Que é dos passados encantos? Que é dos antigos louvores? Olhos banhados em prantos, Passa entre achaques e dores Vivendo à espera de espantos Ou da morte, que faz santos Mesmo os grandes pecadores.
Quem fora tão desejada Deseja ora estar sozinha... E a beleza celebrada Jaz, por obscura e daninha, Como ventura passada Que lhe dói quando lembrada Diante de tudo que tinha.
Os homens -- tão inconstantes! -- Com promessas insensatas... Seus arroubos delirantes Lhe cercando entre bravatas: Indo de amigos a amantes; Depois, de amantes a errantes E, enfim, de errantes a erratas!
Que dizer dos grão-senhores Que seu amor fez captivos? Dos sérios comendadores Com ela sempre festivos? Dos vãos especuladores, Dos agiotas, dos doutores Cobiçando-a d'olhos vivos?...
Quem, como rainha entre reis, Dominou-lhes as vontades? Contra os costumes e as leis Com extremas liberdades, Vê-se perdida das greis A contar de seis em seis A própria infelicidade.
Os primeiros seis foram ricos; Os segundos, poderosos -- De rendas e de fabricos; Os terceiros, perigosos... Mui violentos e impudicos; E os demais, só namoricos Cada vez menos fogosos.
Um após outro se vão, Levando a sua beleza. Sem nada no coração, Senão alguma torpeza... Contempla-se em solidão, No espelho em sua mão, A sua própria tristeza.
E o Tempo, só por capricho, Lhe adia o fim de sua obra, A esculpir-lhe em cada nicho Outro vinco que lhe sobra. Sobre a face algum pasticho Caricatura-a igual bicho N'um misto de águia mais cobra...
Afinal -- eu vos inquiro -- Que é d'aquela tão augusta? Recolhida em seu retiro, Dia após dia se assusta Co'o Tempo que, sem respiro, D'uma Vênus, giro a giro, Fê-la outra mulher vetusta.
Betim - 25 05 2018
|
|