A Aranha Vermelha

Data 10/06/2018 18:00:37 | Tópico: Contos -> Policiais

A Aranha Vermelha
(Ficção. Com excepção de alguns topónimos, todos os componentes são fictícios.)

Neurologistas da Universidade de Harvard descobriram
que o cérebro de uma aranha possui, em média,
uma maior capacidade mental
do que os cientistas mais brilhantes do nosso planeta.
Se os cérebros das aranhas possuíssem
um lóbulo cognitivo, que lhes falta,
elas seriam mais inteligentes do que Einstein.
-- Factos Interessantes sobre as Aranhas --
(Spiders Fun Facts)

“Para se destruir a teia de aranha,
tem de se destruir a própria aranha.”
– Provérbio maltês –

Passava um pouco das 12h30m quando chegou à AngoCrime (Agência de Investigação e Notificação de Crimes) um telefonema do “Hotel Incógnito”, localizado na área das Ingombotas, em Luanda, com pedido urgente de deslocação de investigadores daquela Agência estatal àquela unidade hoteleira, pois um cliente seu havia sido encontrado morto no seu quarto e, devido a algumas particularidades, presumia-se que o mesmo tivesse sido assassinado.

-- Estaremos aí dentro de dez minutos – disse o Chefe máximo da AngoCrime, o Inspector Juvenal, ao mesmo tempo que desligava o telefone.
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O Inspector Juvenal, acompanhado do Tobias e do Tibúrcio (dois investigadores da Agência), encontravam-se já a caminho e, passados alguns minutos, divisavam já o bonito edifício verde e branco de dez andares com um grande letreiro na parte frontal, que dizia, “Hotel Incógnito”.

Depois de estacionada a viatura, os três homens da AngoCrime dirigiram-se para o interior do hotel onde foram recebidos pelo Director-Geral. Depois de se apresentarem, este disse:
-- Ah, estava impaciente. Vamos já para o quarto onde está o cadáver. Já está lá um médico, o Dr. Marcolino, que já confirmou que o homem está morto há cerca de meia hora e diz ele que deve ter sido envenenado.
Subiram até ao 2º andar, quarto nº 18. Lá estava o corpo sem vida de um homem que aparentava ter cerca de 50 anos de idade.
-- Vejam o que está por cima do corpo – disse o Director do hotel.
O Inspector Juvenal e os dois investigadores, o Tobias e o Tibúrcio, aproximaram-se um pouco mais e viram então um pequeno pedaço de papel, no qual estava escrito o seguinte, em letras impressas:

“Foi a aranha vermelha que o matou.”

-- A aranha vermelha?!! – Interrogou-se o inspector Juvenal. – O que significará isto?
-- Não faço a menor ideia – respondeu o Director do Hotel.
-- Uma espécie venenosa de aranhas, provavelmente… sugeriu o Dr. Marcolino.
-- Director, há quanto tempo é que o homem estava neste quarto? – Perguntou o Inspector Juvenal.
-- Olhe, Inspector, este homem alugou este quarto esta manhã por volta das 9 horas. Disse ele que precisava do quarto apenas por um dia, pois precisava de se encontrar em privado com algumas pessoas para tratar de negócios. Por volta das 12h30m, a nossa arrumadeira de quartos bateu à porta do quarto para proceder à mudança de toalhas de banho. Como ninguém respondia, ela pensou que o cliente havia descido para a sala de refeições, que é no rés-do-chão, para almoçar. Então, ela empurrou a porta (a porta não estava fechada à chave) e abriu-a. Foi então que ela viu o cliente morto no cadeirão. Correu então para baixo para avisar. Segundo o registo do aluguer do quarto, o morto chamava-se Manuel Ribeiro.
-- Não têm ideia de quem o veio visitar? – Perguntou o inspector Juvenal.
-- Não, Inspector. O movimento de pessoas que sobe e desce da entrada para os quartos e dos quartos para a saída é tão grande que se nos torna impossível saber quem vai para este ou para aquele quarto.
-- Não fazem o registo dos visitantes?
- Não. O hotel só faz o registo das pessoas que alugam os quartos. Não faz o registo dos visitantes. Caso contrário, não haveria privacidade, Inspector. Sabe, há pessoas que alugam os quartos apenas para encontros “íntimos”, compreende? E os visitantes íntimos não quereriam, naturalmente, ver a sua privacidade violada ao registarem-se.
-- Compreendo -- disse o Inspector Juvenal, acrescentando, enquanto olhava para o pequeno pedaço de papel que havia sido colocado por cima do corpo da vítima: -- vamos pedir uma autópsia ao Departamento competente para ficarmos a saber quais foram as verdadeiras causas da morte. Será que o homem foi mesmo envenenado?! Com veneno de aranha?! Bem, esperemos pela autópsia para sabermos… Entretanto, a arrumadeira (que foi a primeira trabalhadora do hotel a ver o cadáver) deverá apresentar-se na AngoCrime ainda hoje para prestar algumas declarações.
-- Pois sim, Inspector, vou já dizer-lhe que se prepare para isso – disse o Director do hotel.

Antes de se retirarem, o Tobias e o Tibúrcio, os dois investigadores da AngoCrime que acompanhavam o Inspector Juvenal, examinaram, mais uma vez, o quarto de alto a baixo não tendo detectado nada de anormal. O Inspector Juvenal leu novamente a nota que havia sido colocada por cima do corpo do morto e depois meteu-a no bolso. Em seguida telefonou para o Departamento de Autópsias para que fosse feita, com urgência, uma autópsia ao cadáver de Manuel Ribeiro.
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No dia seguinte de manhã, por volta das 8h30m, o Inspector Juvenal recebeu o relatório do Departamento de Autópsias. O mesmo atestava:

“O cidadão Manuel Ribeiro faleceu em consequência da penetração, no seu organismo, de um veneno extremamente mortífero, que destrói todos os órgãos internos do corpo em cerca de 20 segundos. Tal veneno é produzido por algumas espécies muito raras de víboras, aranhas e escorpiões.”

Ao acabar de ler o relatório, o Inspector Juvenal chamou ao seu gabinete o Tobias e o Tibúrcio (os dois investigadores da Agência que o haviam acompanhado ao hotel “Incógnito”).
-- Vocês vão ficar encarregues deste caso – disse-lhes o Inspector Juvenal – voltem ao hotel, tornem a falar com as pessoas, vejam se alguém viu ou ouviu alguma coisa, visitem novamente o quarto onde ocorreu o assassinato, enfim, falem com a família e com os amigos do falecido, vejam se detectam alguma coisa.
-- Compreendido, Chefe – responderam o Tobias e o Tibúrcio e afastaram-se.
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A notícia da morte de Manuel Ribeiro, “por uma aranha vermelha”, no Hotel “Incógnito”, começou, entretanto, a espalhar-se pela cidade. A televisão, no seu noticiário da noite, deu grande destaque ao caso, passando mesmo algumas partes do relatório da autópsia que, entretanto, havia já transpirado para a imprensa.

Dez dias haviam decorrido desde o assassinato e não haviam sido encontradas, até ao momento, quaisquer pistas que conduzissem ao assassino. Soube-se, apenas, que Manuel Ribeiro era empresário, dono de uma rede de restaurantes de luxo em Luanda. Inimigos? Não tinha, segundo a esposa e familiares mais chegados. Ou, pelo menos, pensavam que não tinha. Chefe de família exemplar, amigo dos seus amigos. As investigações, entretanto, prosseguiam.
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No Supermercado “Lunar”, situado na conhecida Estrada de Catete, em Luanda, aquela manhã de sábado decorria normalmente. Alguns clientes percorriam, com carrinhos de mão, os longos corredores do Supermercado, ladeados de prateleiras onde estavam expostos os produtos para venda. Tirando um produto desta prateleira, outro daquela, os clientes iam seleccionando as mercadorias que desejavam colocando-os nos seus carrinhos de mão para depois as irem pagar na caixa, O movimento não era ainda muito grande dentro do “Lunar” mas, a cada momento, iam chegando mais clientes para as suas compras de fim-de-semana.

Passada meia hora já o movimento de clientes dentro do “Lunar” havia duplicado ou triplicado. E é o que se passa, aos sábados de manhã, em quase todos os supermercados de Luanda. As compras de fim-de-semana são feitas sábado de manhã, pois domingo é dia de praia e não há muito tempo para se fazer compras. Aliás as compras feitas sábado de manhã não são apenas para o fim-de-semana mas para toda a semana. Enchem-se os frigoríficos e… a semana está garantida.

E era isso, efectivamente, o que se passava no Supermercado “Lunar”. As pessoas estavam já a abastecer-se para toda a semana. As atenções estavam todas viradas para os produtos que melhor serviriam a semana e… os bolsos de cada um. Os preços tinham sempre de ser tidos em consideração. Comprar bons produtos sem gastar muito era sempre o objectivo de todos.

Num determinado momento, porém, a monotonia foi, de súbito, quebrada por alguém que gritou de um dos corredores para um dos trabalhadores do “Supermercado” que se encontrava no fundo do mesmo.
-- Está aqui uma senhora caída. Parece estar morta.
As pessoas mais próximas, ansiosas por ver de quem se tratava, correram para o local de onde havia partido a voz. Lá estava a senhora caída, ao lado do seu carrinho de compras. Por cima do corpo, uma nota em letra de imprensa, dizia: “Foi a aranha vermelha que a matou.”
-- Olhem o que está por cima dela -- disse um dos clientes. A nota da “aranha vermelha.”
-- Foi a “Aranha Vermelha” – exclamaram outros, quase não acreditando no que viam.
-- Oh, foi o mesmo que aconteceu àquele senhor que foi morto no hotel – disse uma senhora de meia-idade.
-- Ah, que horrível! Mas o que é isso de “aranha vermelha”? – Exteriorizou uma donzela que aparentava ter dezoito anos de idade.
Entretanto, o Gerente, ao aperceber-se do que se havia passado, correu para o local, gritando:
-- Que ninguém toque no corpo que eu vou já chamar a AngoCrime.

Informada a AngoCrime (Agência de Investigação e Notificação de Crimes), o Inspector Juvenal, acompanhado do Tobias e do Tibúrcio deslocaram-se, de imediato, ao local. Pelas investigações preliminares por eles efectuadas, não foi apurado nada que se afastasse do normal. O corpo foi transportado para os exames médico-legais e, como no caso de Manuel Ribeiro, (a primeira vítima da “Aranha Vermelha”) foi solicitada uma autópsia ao Departamento de Autópsias, sendo o resultado da mesma, precisamente idêntico ao que foi apresentado para Manuel Ribeiro.

“A cidadã Joana Patrício faleceu em consequência da penetração, no seu organismo, de um veneno extremamente mortífero, que destrói todos os órgãos internos do corpo em cerca de 20 segundos. Tal veneno é produzido por algumas espécies muito raras de víboras, aranhas e escorpiões.”

A mulher assassinada no Supermercado “Lunar” foi identificada como sendo a cidadã Joana Patrício, proprietária de diversas casas de modas espalhadas por Luanda.
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Entretanto, a arrumadeira de quartos do Hotel “Incógnito” (a primeira pessoa a ver o cadáver de Manuel Ribeiro) e o Gerente do Supermercado “Lunar” (onde morreu Joana Patrício), foram chamados à AngoCrime para prestarem declarações. Das declarações por eles prestadas, nada se apurou, porém, pelo que as investigações se situavam, ainda, no ponto zero.
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Na Sede da AngoCrime, o Inspector Juvenal pegou nas duas notas da “aranha vermelha” (a encontrada sobre o corpo de Manuel Ribeiro e a encontrada sobre o corpo de Joana Patrício) e examinou-as cuidadosamente. Eram precisamente iguais, sem qualquer sinal que conduzisse a uma pista.

-- Isto cheira-me a esturro – disse ele virando-se para um dos Subinspectores que se encontrava ao seu lado. -- Acho que será melhor pedirmos a assistência do detective AlfaZero, para fazermos duas frentes.
-- Também acho -- disse o Subinspector.
-- Tenho quase a certeza que mais assassinatos ocorrerão. Já tenho experiência destas matanças com papelinhos deixados nos cadáveres das vítimas. Lembra-se daquele caso que ocorreu há tempos, em que a assassina se intitulava de “Sedutora da Chuva”?
-- Ah, a “Sedutora da Chuva”! Lembro-me perfeitamente – respondeu o Subinspector.
-- Pois este caso da “Aranha Vermelha” deve ser qualquer coisa mais ou menos semelhante. Um assassinato aqui, papelinho deixado no cadáver, outro assassinato ali, outro papelinho sobre o cadáver… enfim. Para impressionar a Polícia e o público. E assim várias vidas se vão, enquanto não se apanha o criminoso ou a criminosa.
-- É mesmo – concordou o Subinspector – A “Sedutora da Chuva”, antes de ser apanhada, “limpou” sete, não foi?
-- Oito – emendou o Inspector Juvenal – o detective AlfaZero estava destinado a ser a 9ª vítima se não estivesse vigilante.
-- Ah sim, oito, lembro-me agora -- disse o Subinspector olhando para um ponto indefinido do horizonte, através da janela. E acrescentou, dando ênfase à última palavra: -- Aquela mulher era terrível.
-- Bom, e antes que seja demasiado tarde – rematou o Inspector Juvenal -- vamos contactar o detective AlfaZero. Se ele estiver disponível tenho a certeza que se prontificará a dar-nos uma ajuda.
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E, assim, o detective AlfaZero, que se prontificou, de imediato, a cooperar com a AngoCrime, na investigação do caso “Aranha Vermelha”, entrou na corrida da caça ao assassino que havia começado já a ser denominado de “Aranha Vermelha”.
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Entretanto, a notícia do assassinato de Joana Patrício, no Supermercado “Lunar”, espalhou-se como um incêndio em capim seco por toda a cidade. O assassinato de Manuel Ribeiro, a primeira vítima da “Aranha Vermelha” que começava já a esfumar-se das mentes das pessoas, voltava agora, com o assassinato de Joana Patrício, mais emocionante, mais dramático. O caso começava a empolgar os habitantes de Luanda, jovens e adultos, homens e mulheres. E a fama da “Aranha Vermelha”, nome por que começou a ser designada a pessoa autora dos crimes com notas deixadas por cima dos cadáveres das vítimas, começou a espalhar-se até para fora das fronteiras de Angola.
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O detective AlfaZero decidiu iniciar as suas tarefas de investigação indo à AngoCrime (Agéncia de Investigação e Notificação de Crimes) fazer uma leitura aos dois relatórios das autópsias e às duas notas da “Aranha Vermelha” encontradas sobre os cadáveres das vítimas. (Dos relatórios das autópsias, AlfaZero ficou com a ideia de que um produto venenoso havia sido injectado no corpo das vítimas. O que não se sabia era de que forma havia sido esse veneno injectado.
Quanto às notas, o detective AlfaZero não detectou absolutamente nada nas mesmas que produzissem uma pista).

Depois disso, AlfaZero decidiu ir conversar com os familiares das duas pessoas assassinadas (Manuel Ribeiro e Joana Patrício). Das conversas mantidas com os familiares das vítimas, o detective AlfaZero constatou que tinha havido uma ligação empresarial entre aquelas duas pessoas. Com efeito, entre 2000 e 2004, Joana Patrício havia sido sócia na fábrica de materiais de construção “Construções Eternas, Lda.”, em que Manuel Ribeiro fora, igualmente, um dos sócios, de 2000 a 2006. E era esta, efectivamente a única relação, o único ponto comum entre essas duas vítimas da “Aranha Vermelha”.

Teria esta relação empresarial alguma coisa a ver com os assassinatos? – Interrogava-se AlfaZero. E pensou:
“Talvez seja melhor fazer uma visita à fábrica “Construções Eternas, Lda.”, para conhecer os outros sócios. Mas como eram já 12 horas, decidiu ir primeiro ao seu apartamento-escritório, na Avenida Marginal, para comer qualquer coisa. Já em casa, preparou alguma coisa para comer e às 12h30m abriu a televisão para ouvir o noticiário. O seu corpo estremeceu (de raiva ou de desespero?) quando logo na primeira notícia, a apresentadora, anunciou:

“Caros espectadores, preparem-se para mais uma trágica notícia: a “Aranha Vermelha”, a já “tristemente famosa” “Aranha Vermelha”, fez mais uma vítima esta manhã. Um cidadão, que em vida se chamou Malaquias Afonso, foi encontrado morto na casa de banho de um restaurante da Ilha de Luanda. Por cima do seu cadáver foi encontrada a famosa nota da “Aranha Vermelha” que, como provavelmente já será do vosso conhecimento, dizia o seguinte: “Foi a aranha vermelha que o matou”. Esta é a terceira vítima e, até agora, segundo a AngoCrime, não existe qualquer pista que conduza a essa pessoa, já “tristemente célebre” e popularmente apelidada de “Aranha Vermelha”.”

AlfaZero fechou o televisor, sentou-se e suspirou, ao mesmo tempo que comentava:
-- Quantas vítimas mais, fará a terrível “Aranha Vermelha!? Quantas?!

E pensou:
“Antes de ir à fábrica “Construções Eternas, Lda.”, vou esperar pelo relatório da autópsia ao cadáver de Malaquias Afonso e, caso o resultado da autópsia seja idêntico ao das autópsias das outras duas vítimas, irei então falar com os familiares de Malaquias Afonso para saber se haverá alguma relação entre ele e as outras duas vítimas. Entretanto, como o resultado da autópsia não deverá estar concluído antes das 18 horas, vou descansar um pouco e esperar.”


AlfaZero dormitou um pouco, mesmo no cadeirão da sala, tendo sido acordado pela campainha da porta. Foi abrir. Era a sua amiga Briana.
-- Alô Briana! Entra, entra. Como estás?
-- Bem, apenas um pouco perturbada por todos estes assassinatos da “Aranha Vermelha”.
-- O crime existe e sempre existiu, Briana. Não podemos fugir dele. Temos é de o combater.
A conversa foi, entretanto, interrompida pelo telemóvel de AlfaZero, que sinalizou uma chamada.
--Alô -- disse AlfaZero levando o telemóvel ao ouvido.
A chamada era da AngoCrime (Agência de Investigação e Notificação de Crimes) a informar que o relatório da autópsia de Malaquias Afonso era precisamente idêntico aos relatórios das autópsias das outras duas vítimas.

“O cidadão Malaquias Afonso faleceu em consequência da penetração, no seu organismo, de um veneno extremamente mortífero, que destrói todos os órgãos internos do corpo em cerca de 20 segundos. Tal veneno é produzido por algumas espécies muito raras de víboras, aranhas e escorpiões.”

-- Mas que raio de veneno será este e de que forma será ele injectado nas vítimas?! – Perguntou a si próprio e em voz alta o detective AlfaZero, franzindo o sobrolho em pose pensativa.
-- Detective AlfaZero penso que deverá tratar-se de um veneno vulgar, desses que se podem conseguir em qualquer lado e que o assassino ou a assassina está a utilizar o nome “Aranha Vermelha” apenas para iludir as pessoas e levá-las a pensar que se trata de um veneno raro produzido por um tipo qualquer de aranha vermelha – opinou a Briana.
-- Sim, poderá ser mas como é que o veneno é injectado no organismo das vítimas?!
-- Num copo com um líquido, água, cerveja, enfim, ou na comida, enfim, -- sugeriu ainda a Briana.
-- Umm… não sei, não sei, Briana. Neste momento francamente que não ouso fazer qualquer palpite. Temos de esperar para ver. Bem, vou ter de falar com os familiares da vítima desta manhã – rematou AlfaZero olhando para o relógio.

Como já era um pouco tarde, porém, AlfaZero pensou que seria melhor ir falar com os familiares de Malaquias Afonso apenas no dia seguinte. Assim, esteve um pouco mais com a Briana e depois despediu-se dela e foi-se deitar que bem precisava de um bom descanso.
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No dia seguinte, logo pela manhã, AlfaZero conduzia a sua viatura para a Praia do Bispo, (um dos muitos bairros de Luanda), a fim de falar com os familiares de Malaquias Afonso quando, mais ou menos a meio caminho, viu vários carros parados no meio da estrada. Aproximou-se e… logo constatou que se tratava de mais uma notícia trágica. Dezenas de pessoas rodeavam um carro, parado à berma da estrada com um cadáver dentro e diziam em voz alta:
-- Foi a “Aranha Vermelha”. A “nota” está em cima do corpo. Alguém que telefone à AngoCrime.
-- Eu telefono – disse um homem de meia-idade tirando o seu telemóvel do bolso e começando a pressionar os números.

AlfaZero não quis ouvir mais nada. Estava desnorteado. Entrou para a sua viatura e acelerou fundo em direcção à casa de Malaquias Afonso. Chegado ali, foi direito ao assunto, ao ser recebido pela viúva.
-- Minha senhora, eu sou o detective AlfaZero e estou a investigar o caso “Aranha Vermelha”. Diga-me, o seu falecido marido teve alguma relação com a fábrica “Construções Eternas, Lda.”?

-- Sim, teve, Sr. Detective. O Malaquias chegou a ser sócio-gerente dessa fábrica, entre os anos 2000 e 2006. Nos finais de 2006, ele deixou a fábrica e abriu o seu próprio negócio de venda e aluguer de viaturas.
-- Muito obrigado – disse AlfaZero despedindo-se.
-- Senhor detective, foi por ele ter trabalhado nessa fábrica que foi morto? – Perguntou a viúva de Malaquias Afonso ao mesmo tempo que limpava, com um lenço, as lágrimas que lhe rolavam na face.
-- Por enquanto não lhe posso dizer nada de concreto, minha Senhora – disse AlfaZero já a entrar na sua viatura – teremos de esperar mais um pouco.

E, logo em seguida, a sua viatura “voou” para a fábrica “Construções Eternas, Lda.”.
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Ao chegar à zona industrial onde se situava a fábrica de materiais de construção “Construções Eternas, Lda.”, AlfaZero percorreu uma rua onde se localizavam várias fábricas, de vários tipos, até que encontrou a que procurava. Estacionou e entrou, tendo pedido à Secretária que o atendeu, mostrando-lhe o seu cartão de detective, que precisava de falar urgentemente com o Director-Geral da fábrica. De imediato, a secretária conduziu-o ao Gabinete do Director-Geral.

-- Muito bom-dia. Eu sou o detective AlfaZero e venho consultá-lo no âmbito do caso “Aranha Vermelha” -- disse ele ao Director-Geral da “Construções Eternas, Lda.”.
-- Ah, sente-se detective AlfaZero. Muito prazer em conhecê-lo. Já tenho ouvido falar de si. Então a “Aranha Vermelha” já liquidou três pessoas, não é?
-- Quatro – disse AlfaZero pronunciando a palavra “quatro” vagarosamente e com ênfase. O quarto, foi morto esta madrugada, na sua viatura.
-- Com os diabos! -- Vociferou o Director. -- E ninguém lhe põe a mão?
-- Alguém lhe há-de pôr, Director. Mas tudo vem a seu tempo.
-- Com os diabos, se não lhe cortam os movimentos, isto vai ser uma desgraça. Hoje um, amanhã outro, depois de amanhã outro… que chatice! Isto faz-me lembrar aquele caso da “Sedutora da Chuva”! E foi mesmo o Sr. detective AlfaZero que a apanhou, não foi?
-- Que a apanhei a quem? A “Sedutora da Chuva”? Sim, fui eu.
-- Pois, eu lembro-me de o ter visto na televisão quando ela foi apresentada ao público. Puxa, aquela mulher era terrível. Eu nessa altura tremia todo quando via uma mulher a aproximar-se de mim. E olhe que eu gosto de mulheres, ein? Bem, mas, Sr. Detective, em que é que eu poderia ajuda-lo?
Bem, o que me traz por cá é o seguinte: -- Por acaso tem aí os nomes dos sócios desta fábrica na altura em que ela foi aberta aqui em Luanda?
-- Tenho sim, senhor – disse o Director levantando-se e indo buscar uma pasta a um armário de ferro. Ao voltar com a pasta sentou-se de novo, abriu-a e disse:
-- Ora vamos lá a ver. Esta fábrica (que é uma filial de outra em Lisboa) foi aberta em Luanda em Janeiro do ano 2000 com os seguintes sócios:

• Manuel Ribeiro
• Joana Patrício
• Malaquias Afonso
• Eduardo Correia, e
• Castro Oliveira

Este último era, ao mesmo tempo, o advogado da empresa. Mas… com os diabos! – Exclamou o Director voltando a fixar o olhar nos nomes dos sócios. -- Três das pessoas assassinadas têm os mesmos nomes que três dos sócios. Será coincidência?
-- Não, não é coincidência, Director -- disse AlfaZero. E acrescentou: -- no mundo do crime, nada acontece por acaso. Há uma ligação qualquer entre os primeiros sócios desta fábrica e os assassinatos que estão a ser cometidos pela “Aranha Vermelha”. Tenho a certeza que a pessoa encontrada morta esta madrugada, se foi realmente assassinada pela “Aranha Vermelha” se chama Eduardo Correia ou Castro Oliveira.
-- Meu Deus! – Exclamou o Director olhando inquieto à sua volta como se receasse ver ali a “Aranha Vermelha”. – Estará ela ou ele à procura só dos primeiros sócios ou de todos nós que trabalhamos na fábrica!?
-- Esteja descansado Director, pois tudo indica que ele ou ela estará à procura só dos primeiros sócios.
-- Ah, Deus queira que sim, detective AlfaZero! Deus lhe oiça! – Disse o Director com voz trémula e deixando transparecer algum temor no olhar.

AlfaZero despediu-se apressadamente do Director, entrou na sua viatura e com uma velocidade incrível, sem quase respeitar os sinais de trânsito, foi à AngoCrime saber quem tinha sido a vítima daquela manhã. E, tal como supusera, a vítima havia sido Eduardo Correia.

AlfaZero dirigiu-se então para a Ordem dos Advogados para se informar do paradeiro do advogado Castro Oliveira que, segundo a lógica dos cálculos, seria ele a próxima vítima da “Aranha Vermelha”. Dos cinco ex-sócios da “Construções Eternas, Lda.”, só ele restava vivo. Se não andasse depressa, a “Aranha Vermelha” aproximar-se-ia dele, terrível e inexorável, impiedosa e cruel…
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Castro Oliveira (agora o único sobrevivente dos primeiros sócios da fábrica “Construções Eternas Lda.”), deixou a fábrica em 2006, tendo aberto então, em sociedade, uma empresa imobiliária e outra de seguros. A par disso, montou escritório de advocacia na Rua Amílcar Cabral, área do Largo da Maianga, em Luanda, pois gostava da sua profissão e não queria deixar de exercê-la.

Quando ele soube do assassinato do seu antigo sócio nas “Construções Eternas, Lda.”, Manuel Ribeiro, (o primeiro a ser assassinado pela “Aranha Vermelha”), encarou-a sem sobressaltos pois pensou que se tratava de um caso isolado, de alguma prestação de contas pessoal entre ele e o assassino. Quando depois passados alguns dias ocorreu, nas mesmas circunstâncias, a morte da sua ex-sócia Joana Patrício, Castro Oliveira começou a ficar preocupado pois a morte de dois dos seus ex-sócios, e o facto de terem ocorrido nas mesmas circunstâncias, (injecção. no organismo, de um veneno altamente mortífero), poderia ser um prenúncio de mau agoiro. Ainda não se tinha ele refeito deste embate quando ocorreu, numa das casas de banho de um restaurante o assassinato de outro dos seus ex-sócios, Malaquias Afonso. Três dos seus ex-sócios haviam, assim, sido assassinados em menos de um mês. Castro Oliveira estava agora verdadeiramente assustado. Dos cinco primeiros sócios da Fábrica “Construções Eternas, Lda.”, só ele e Eduardo Correia estavam ainda vivos. Os outros três (Manuel Ribeiro, Joana Patrício e Malaquias Afonso) haviam sido assassinados nas mesmas circunstâncias, todos pela “Aranha Vermelha” e em menos de um mês.

Castro Oliveira não sabia o que fazer. Teria sido coincidência os seus três ex-sócios, terem sido assassinados da mesma forma? Não, não podia acreditar. E quem seria o assassino? Quem seria a “Aranha Vermelha”? E ele, o que faria ele agora? Esperar para ver se a “Aranha Vermelha” viria à sua procura? Esconder-se? Aonde? Fugir do País? Para onde? E talvez agora já fosse tarde para assim tão apressadamente sair do País… mas talvez ainda pudesse tentar… Mas o melhor seria ir falar com Eduardo Correia, o outro sócio que ainda restava para ouvir a sua opinião e talvez obter algum conforto naqueles momentos dolorosos. Talvez Eduardo Correia quisesse fugir do País e assim iriam juntos…

Estava ele com estes pensamentos e já a preparar-se para ir ter com Eduardo Correia para, talvez, planificarem juntos a saída do País quando, no aparelho de televisão do seu escritório, no Largo da Maianga, onde ele se encontrava na altura, ouviu a terrível notícia, a notícia que quase o deixou desfalecido, a notícia que quase o matou de um ataque de coração. O apresentador anunciou:

“Estimados telespectadores, a “Aranha Vermelha” acaba de fazer a sua quarta vítima. Eduardo Correia, dono da maior frota de navios mercantes em Angola, foi assassinado esta madrugada pela “Aranha Vermelha”, tendo sido encontrado morto no interior da sua viatura, na estrada entre o Bairro Azul e a Praia do Bispo. Entretanto, A AngoCrime pede aos cidadãos que se mantenham calmos e que qualquer informação deverá…”

Castro Oliveira fechou o televisor e saiu do seu escritório, completamente aterrado e desnorteado. Suava por todos os poros. Tinha um aspecto lívido e o coração batia-lhe fortemente. Olhava para todos os lados, terrivelmente assustado.
-- O próximo serei eu – dizia ele para si próprio -- o próximo serei eu… só fiquei eu…o Eduardo Correia também já foi… fiquei sozinho agora…
Não sabia o que fazer. Fugir do país? Agora talvez já fosse tarde. Pedir protecção à Polícia? Até quando? Ele só tinha 45 anos de idade… até quando iria ele pedir protecção à Polícia? Estava de pé, no meio da rua, em frente ao seu Escritório, no Largo da Maianga. Tremia como varas verdes. Olhava para todos os lados, temeroso de ver a “Aranha Vermelha” aparecer repentinamente, cruel e impiedosa… devoradora e insaciável… para lhe tirar a vida como tirou aos dos seus quatro ex-sócios…
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Foi aqui e nestas condições que AlfaZero o veio encontrar, depois de ter deixado a Ordem dos Advogados onde obteve informações da sua localização. Quando Castro Oliveira viu o detective AlfaZero avançar para ele para o cumprimentar, recuou assustado, gritando, alucinado:
-- Não, não, “Aranha Vermelha”, não! Não me mates, por favor! Não me mates, “Aranha Vermelha”! Eu não fiz nada “Aranha Vermelha”… eu não fiz nada…
-- Acalme-se, homem – disse AlfaZero -- eu não sou a “Aranha Vermelha”. Eu sou detective e vim cá para protegê-lo.
-- É mentira! Você é a “Aranha Vermelha”! Você quer me matar! Ai, ajudem-me por favor, ajudem-me – gritava Castro Oliveira sem saber o que fazia tal era o estado de alucinação e terror em que se encontrava. Algumas pessoas que por ali passavam, ao ver o que se passava e especialmente ao ouvirem o nome “Aranha Vermelha”, paravam para presenciarem a cena.
-- Ó homem, tenha calma, senão acaba por piorar a sua situação – tentava acalmá-lo AlfaZero.
-- Ai, acudam-me, por favor! – Gritava Castro Oliveira sem fazer caso das palavras de AlfaZero e olhando para as pessoas que haviam parado no local. – Chamem a polícia! A “Aranha Vermelha” quer me matar! A “Aranha Vermelha” está aqui! Agarrem-no! Agarrem-no! Levem-no para a Polícia! Ai, eu não quero morrer agora! Chamem a Polícia por favor!
AlfaZero tirou o seu Cartão de Detective do bolso, ergueu-o na mão direita em direcção aos olhos de Castro Oliveira, e disse, em voz alta:
-- Olhe a minha identificação. Eu sou detective e vim cá para o ajudar. Acalme-se. Se eu fosse a “Aranha Vermelha” já o tinha morto.
Castro Oliveira olhou para o Cartão de Detective de AlfaZero, olhou mais demoradamente para AlfaZero e, como que se tendo certificado de que não se tratava, efectivamente, da “Aranha Vermelha”, ficou um pouco mais calmo e disse:
-- Oh, Deus queira que seja verdade! Preciso de alguém ao pé de mim para me proteger.
-- Vamos para dentro do seu escritório conversar – disse AlfaZero, puxando-o pelo braço.
-- Não, para dentro, não. Eu tenho medo. Fale aqui fora – resmungou Castro Oliveira com voz trémula e olhando para as pessoas ali paradas como que a pedir protecção.
-- Ó Sr. Castro Oliveira, já lhe mostrei o meu Cartão de Detective. Mesmo assim não acredita em mim? Acha que o Cartão é falso?
-- Castro Oliveira olhou novamente para o detective AlfaZero e pareceu-lhe que ele estava a dizer a verdade. Aceitou entrar.
Entraram e sentaram-se. AlfaZero, disse:
-- Não tenho dúvidas de que a próxima pessoa a ser procurada pela “Aranha Vermelha” será você. Da lista dos primeiros cinco sócios da “Construções Eternas, Lda.”, só falta você. Todos os outros já foram mortos. O Eduardo Correia foi o último a ser morto. Morreu esta manhã na estrada da Praia do Bispo dentro da viatura que conduzia.
-- Sim, eu ouvi a notícia da morte dele na televisão – disse Castro Oliveira com voz trémula.
--Tem alguma ideia do porquê dos assassinatos e da pessoa que está por detrás deles?
-- Não, não faço a menor ideia – respondeu Castro Oliveira, acrescentando: -- estou tão assustado, detective AlfaZero. O que devo fazer para salvar a minha vida?
-- Olhe, disse AlfaZero, só há uma forma de salvar a sua vida e de sabermos quem é a “Aranha Vermelha”. Durante os próximos dias eu vou manter-me escondido no quarto que fica contíguo ao seu Gabinete. Mande colocar, e já, uma mini-janelinha de vidro na parede que divide o seu Gabinete e o outro compartimento, para que eu possa observar tudo o que se passa no seu Gabinete através dessa janelinha de vidro. Você vai continuar a trabalhar normalmente, receberá os clientes e outras pessoas normalmente como se nada estivesse para acontecer. E, assim, vamos ver o que se irá passar nas próximas horas ou nos próximos dias. Para já, telefone de imediato a uma empresa de construção para que venha colocar a janelinha de vidro agora. Tem de ser agora.

Castro Oliveira telefonou a uma empresa de construções e reparações e a mini-janelinha de vidro foi colocada rapidamente na parede entre o seu Gabinete e o quarto traseiro onde AlfaZero iria permanecer escondido. E, então, a partir do momento em que a mini-janelinha de vidro foi colocada, AlfaZero passou a “residir” naquele quarto, observando tudo o que se passava no Gabinete de Castro Oliveira.

E, assim se passou o primeiro dia sem que nada de anormal acontecesse. Castro Oliveira continuava a trabalhar (ou a fingir que trabalhava) normalmente, no seu Gabinete, sentado à sua secretária, atendendo os clientes que iam aparecendo. E AlfaZero passava os dias no quarto contíguo ao Gabinete de Castro Oliveira, observando sem ser visto, através da mini-janelinha de vidro, tudo o que se passava no gabinete de trabalho do advogado. Não saíam dali nem sequer para comer. Apenas a secretária saia, de vez em quando, para comprar umas sanduíches e uns refrescos.
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No segundo dia, por volta das 11 horas da manhã, verificou-se um pequeno incidente. Um homem sentou-se em frente a Castro Oliveira, na sua secretária e, batendo com o punho direito com força, sobre a secretária, disse em voz alta:
-- Senhor Castro Oliveira, você vai pagá-las.
E, agarrando Castro Oliveira pelos colarinhos, puxou-o para si e vociferou:
-- Hoje você vai ver quem eu sou!
O detective AlfaZero, que supôs tratar-se da “Aranha Vermelha”, saiu do seu “esconderijo” rapidamente, correu para junto de Castro Oliveira, imobilizou as mãos do homem libertando-as do colarinho do advogado, e segurou-as firmes por trás das costas, ao mesmo tempo que dizia:
-- Tenha calma, homem! O que é que se passa?
-- Ah, você é que é o guarda de segurança aqui do Sr. Advogado, não é? – Disse o homem apontando para Castro Oliveira com o queixo. – Pois fique sabendo – prosseguiu o homem -- que ele vai pagar pelo que me fez. Por causa dele é que perdi um caso no tribunal. Não recebi uma indemnização a que tinha direito por causa dele. Se ele não me compensar da indemnização que eu perdi, ele vai pagá-las.
E, olhando directamente para Castro Oliveira, disse:
-- Eu vou-me embora mas dou-lhe dez dias para me compensar da indemnização que eu perdi. Caso contrário eu voltarei cá e se eu voltar nem o seu guarda de segurança lhe vai salvar.
AlfaZero largou o homem e ele saiu do Gabinete sem dizer mais nada.
-- Bem, isso é um assunto entre você e ele, depois resolvam – disse o detective AlfaZero a Castro Oliveira, regressando para o seu “esconderijo”.
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O terceiro dia decorreu sem quaisquer contratempos. No quarto dia, porém, mais um incidente veio quebrar a monotonia que reinava no gabinete de trabalho de Castro Oliveira. Com efeito, por volta das 16 horas, a secretária anunciou a chegada de uma cliente. A cliente entrou no Gabinete e, ainda antes de se sentar, e mesmo antes de cumprimentar, disse, enraivecida:
-- Senhor advogado, por sua causa não foi concedido à minha filha um terreno a que ela tinha direito. Vocês, os advogados, são todos farinha do mesmo saco, só querem é dinheiro e os clientes que se lixem. Mas isto não vai ficar assim, pode ter a certeza. O que você fez, vai pagá-las. E bem pago!
-- Mas, minha senhora, não sei do que a Sra. está a falar?! – Perguntou Castro Oliveira, olhando inquiridoramente para a mulher.
Entretanto, o detective AlfaZero estava preparado para, a qualquer momento, “saltar” do seu “esconderijo” e “voar” para junto de Castro Oliveira para salvar a sua vida, caso se tratasse da “Aranha Vermelha”.
-- Você sabe muito bem do que se trata. Você aconselhou a minha filha a não dar entrada de um requerimento que afinal era imprescindível para que ela obtivesse o terreno. E o terreno acabou por ser dado a outra pessoa. Mas você vai pagar. E vai pagar já.
Ao ouvir estas últimas palavras, AlfaZero “voou” para junto de Castro Oliveira e, interpondo-se entre este e a mulher, olhou para esta e perguntou:
-- Minha Senhora, tem alguma coisa contra aqui o Sr. Advogado Castro Oliveira? Talvez possamos resolver…
-- Castro Oliveira?! Este Sr. é o Sr. advogado Castro Oliveira?! Não é o advogado Carmo Moreira?
-- Não, o escritório do advogado Carmo Moreira fica um pouco mais em baixo. Eu sou o advogado Castro Oliveira – explicou Castro Oliveira.
-- Oh, meu Deus! Peço muitas desculpas. Eu pensei que estava a falar com o advogado Carmo Moreira. Desculpe-me, Sr. Castro Oliveira. Queira desculpar, se o ofendi – desculpou-se a mulher bastante sentida e, até certo ponto, embaraçada.
-- Está desculpada, minha Senhora – disse Castro Oliveira, bastante aliviado.
A mulher deixou o local, envergonhada e comprometida ao mesmo tempo que AlfaZero voltava para o seu “esconderijo” e dizia a Castro Oliveira:
--Ainda não foi desta. Será que a “Aranha Vermelha” se esqueceu de si?
Castro Oliveira, não respondeu. Apenas deu um longo suspiro, para nós indecifrável. Seria um suspiro de esperança? De tédio? De angústia? De medo? De cansaço? De terror? De desalento? De mau pressentimento?
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No quinto dia, aconteceu. Repentinamente. Rapidamente. Inesperadamente. Num abrir e fechar de olhos. Inexoravelmente. Num relâmpago. Em fracção de segundos. Uma pessoa, que depois de se ter feito anunciar à secretária como uma nova cliente, entrou no Gabinete de Castro Oliveira e sentou-se à sua frente no lado oposto ao que ele se encontrava na sua secretária de trabalho, como faria qualquer cliente. Com a mão esquerda levantou uma máscara de nylon muito fino que lhe cobria o rosto e perguntou, olhando directamente para os olhos de Castro Oliveira:
-- Lembra-se de mim?
Castro Oliveira abriu muito os olhos como se tivesse visto um fantasma, e disse em voz muito baixa:
-- Cláudia!!!
Foi a última coisa que disse na vida. Mas antes de morrer, ainda teve tempo ver uma aranha vermelha, sobre a sua secretária, a correr vertiginosamente para ele. E isto foi a última coisa que viu na vida.
A aranha picou-o e, a uma velocidade incrível, regressou à caixinha da sua dona.

Tudo isto se passou numa fracção de segundos e tão rapidamente que, quando AlfaZero “voou”, numa corrida vertiginosa e imparável, para o Gabinete de Castro Oliveira, já este estava morto e já a “nota da aranha vermelha” havia sido colocada sobre o seu corpo. E, igualmente, já a caixinha da aranha vermelha estava dentro do bolso das calças da sua dona e já esta se preparava para deixar o local.

Sem grande esforço, AlfaZero imobilizou a “famosa” “Aranha Vermelha”, quando já esta transpunha a porta da frente para a rua. Ela não ofereceu resistência. Apenas disse:
-- A minha vingança está concluída. Este foi o último.

AlfaZero olhou para ela com um misto de incredulidade, admiração e respeito. Pareceu-lhe um sonho ter ali, a seus pés, a popularmente “famosa” “Aranha Vermelha”. A “Aranha Vermelha” que, durante noites e noites, tirou o sono a muitos luandenses e fez vibrar de comoção muitos outros que, inconscientemente, lhes parecia que estavam a viver, na vida real, um filme policial de grande emoção; a “Aranha Vermelha” que encheu as manchetes de muitos jornais e revistas e que foi tema de primeira linha em muitos noticiários da rádio e da televisão; a “Aranha Vermelha” que, também a ele, fez passar muitas noites em claro…
AlfaZero suspirou e disse, ao mesmo tempo que lhe mostrava a sua identificação:
-- Bem, já que confessou todos os seus crimes, vamos agora à AngoCrime para oficialmente nos explicar as razões de tão monstruosa chacina.
-- AngoCrime?! O que é a AngoCrime? – Perguntou ela.
-- Ah, a AngoCrime é a Agência estatal encarregue da Investigação e da notificação dos crimes que ocorrem no nosso país -- explicou AlfaZero e acrescentou:-- a sua denominação oficial é “Agência de Investigação e Notificação de Crimes”.
-- Ah, então vamos, disse ela. E acrescentou: -- era precisamente o que eu tinha em mente. Logo que matasse o último, iria apresentar-me à Polícia para ser julgada e condenada.

AlfaZero fez entrar a “Aranha Vermelha” para o interior da sua viatura e, logo em seguida, partiram para a AngoCrime.
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Entretanto, (não se sabe como mas presume-se que tenha sido por intermédio da secretária de Castro Oliveira, o advogado,) a notícia de que o detective AlfaZero havia capturado a famosa “Aranha Vermelha” espalhou-se pela cidade com a velocidade de relâmpago. E, de um momento para o outro, o nome do detective AlfaZero preencheu, em grandes letras, os títulos de primeira página dos jornais e com grande realce foi ouvido nos noticiários da rádio e da televisão. Os jornais desse dia esgotaram-se rapidamente e a rádio e a televisão viram a sua audiência duplicada ou mesmo triplicada.

Enfim, o povo vibra com cenas emocionantes a que só se habituou a ver no cinema e delira quando o desfecho o transporta para as raias da comoção e da excitação.
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AlfaZero e a “Aranha Vermelha” estavam já na AngoCrime, sentados à volta de uma mesa onde também se encontravam o Inspector Juvenal e outras altas patentes da AngoCrime. Os investigadores que estavam encarregues do caso, nomeadamente o Tobias e o Tibúrcio, outras pessoas ligadas ao direito e à criminalidade no país, pessoas com interesses na fábrica “Construções Eternas, Lda., outras pessoas interessadas em casos do género, familiares e amigos das vítimas, e igualmente emissoras de rádio e de televisão e correspondentes de jornais nacionais e estrangeiros, estavam igualmente presentes. Enfim, a sala estava apinhada de gente.

A “Aranha Vermelha” estava já sentada junto a uma mesa em frente a diversos microfones e gravadores da imprensa. Todos estavam com os olhos postos nela para ouvir a sua história. E ela aqui está, contada por ela própria:
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Minhas Senhoras, Meus Senhores: chamo-me Cláudia Manuela Pereira – começou ela com voz firme e pausada – sou natural de Benguela e tenho 27 anos de idade. Sou formada em Contabilidade pelo Instituto Comercial de Lisboa. Em Janeiro de 2000, quando a fábrica de materiais de construção “Construções Eternas, Lda.” (que é, como provavelmente deverão saber, uma filial de outra fábrica com o mesmo nome em Lisboa), iniciou as suas actividades em Luanda, eu fui admitida pelo Conselho de Administração da fábrica de Lisboa como Contabilista e Chefe do Departamento de Contabilidade da fábrica em Luanda. Na altura, o Conselho de Administração da fábrica em Luanda era formado pelos cinco sócios que eu acabei de assassinar e que são, nomeadamente, Manuel Ribeiro, Joana Patrício, Malaquias Afonso, Eduardo Correia e Castro Oliveira.

Os três primeiros anos de funcionamento da fábrica, ou seja, os anos de 2000, 2001 e 2002, decorreram sem sobressaltos. Porém, a partir do ano de 2003, comecei a notar que os cinco elementos referidos que, para além de serem sócios, compunham o Conselho de Administração da fábrica, se estavam a engajar em fraudes que, contabilisticamente falando, se traduziam no lançamento de movimentações de operações inexistentes, no registo de depreciações que não se verificavam, na apresentação de saldos de contas com valores fictícios, no registo de pagamentos a credores inexistentes, no registo de pagamentos a fornecedores cujos fornecimentos não entravam na fábrica, etc., etc., etc.

Em Março de 2004, numa das reuniões do Conselho de Administração para a qual eu fui convocada, chamei a atenção do Conselho para as referidas irregularidades contabilísticas a que eu era forçada a executar, ao que eles me responderam que eu tinha apenas de cumprir com o que o Conselho ordenasse e que se alguém tivesse de responder por alguma coisa seriam eles e não eu.

-- Tire essas teias de aranha da cabeça – disse-me Manuel Ribeiro, que era o Presidente do Conselho de Administração.
-- Não comece a ver aranhas onde elas não existem – acrescentou a Joana Patrício, ao mesmo tempo que os outros me lançavam olhares recriminatórios.

O tempo foi passando e as referidas irregularidades continuavam a ocorrer. Voltei de novo a chamar a atenção do Conselho de Administração e mesmo a ameaçar que, se tais práticas continuassem, eu iria informar o Conselho de Administração da Fábrica em Lisboa, da ocorrência de tais práticas.

Entretanto, em Agosto desse mesmo ano, ou seja, em Agosto de 2004, os cinco elementos do Conselho de Administração chamaram-me à Sala de Reuniões, não para trabalhar mas sim para me formularem um convite. Queriam que eu os acompanhasse às Festas da Nossa Senhora do Monte que, como sabem, têm lugar todos os anos, em Agosto, na cidade do Lubango.

-- É uma forma de relaxar um pouco a pressão do trabalho – disse-me Malaquias Afonso, que era natural da província da Huila e conhecia muito bem aquela região. – Depois -- acrescentou ele -- tem tudo pago: hotel, despesas pessoais, despesas de diversão, etc. Não deve perder esta oportunidade que a empresa lhe oferece.

-- E se a perder – acrescentou Manuel Ribeiro – muito dificilmente terá uma outra oportunidade idêntica. É pegar ou largar.

Aceitei o convite e em meados de Agosto partimos para o Lubango. No terceiro dia da nossa estada no Lubango, quando estávamos todos a tomar o pequeno-almoço, disse o Malaquias Afonso:
-- Vou mostrar-vos a famosa tenda da Tundavala. É uma beleza a não perder. Não podemos voltar para Luanda sem que vocês conheçam aquela maravilha da Natureza.
-- Ah, excelente ideia – concordou, com entusiasmo, a Joana Patrício.
-- Vir ao Lubango e não visitar a famosa “Fenda da Tundavala” é o mesmo que ir ao Egipto e não visitar as Pirâmides – disse, com um sorriso malicioso, Castro Oliveira.

E, assim, por volta das 9 horas partimos os seis para a Fenda da Tundavala. Apreciámos toda aquela paisagem verde e bonita, caminhámos um pouco a pé e, por fim, aproximámo-nos da fenda para apreciá-la de perto. Estávamos os seis de pé, e as nossas posições foram por eles organizadas de tal forma que eu me posicionava no centro entre dois do lado esquerdo e dois do lado direito e tendo um à minha trás, que era o Eduardo Correia.

-- Este local é perfeito. Não há outro melhor – disse o Manuel Ribeiro.
-- Sim, acabemos com as teias de aranha que lhe andam a fazer cócegas -- disse o Malaquias Afonso fazendo um gesto significativo, como se estivesse a fazer-se cócegas a si próprio.

Ao ouvir estas palavras, senti um pressentimento terrível e um calafrio percorreu-me o corpo todo. Mas já era tarde.

-- Agora – disse a Joana Patrício – pode ser que lá no fundo ela encontre as aranhas que anda à procura nos livros de contabilidade.

Ao mesmo tempo que a Joana Patrício pronunciava estas palavras, o Eduardo Correia, que era o que se encontrava à minha trás, empurrou-me com força. Eu dei um grito e desapareci nas profundezas da famosa, profunda e misteriosa “Fenda da Tundavala”.
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Passadas algumas semanas, quando voltei a mim, estava num leito de hospital em Joanesburgo, na África do Sul. Escapei da morte, por milagre. Um casal de alpinistas sul-africanos que, na altura, explorava aquela região, encontrou-me algumas horas depois da queda, tendo-me prestado os primeiros socorros e procedido à minha evacuação imediata para a África do Sul, na sua avioneta particular, onde fui assistida em um dos hospitais de Joanesburgo, com a prestimosa assistência daquele casal caridoso.

Em Luanda, a minha família, os amigos e as amigas, deram-me por desaparecida pois ninguém sabia do meu paradeiro.

Tudo isto se passou, como disse, em 2004. O tratamento no hospital de Joanesburgo foi longo tendo tido alta só em 2008. Em 2009, o casal de turistas sul-africanos que me salvou, levou-me para as Ilhas Caití, no Pacífico, para aí fazer um ano de convalescença. Foi aí que, por intermédio de um coleccionador de insectos raros conheci a aranha vermelha e os seus terríveis poderes. E foi esse coleccionador que preparou e me ofereceu a aranha vermelha que matou todos os meus “assassinos”.

Em 2010 regressei a Luanda. Trazia na bagagem duas coisas importantes: a aranha vermelha que havia de acabar com os meus carrascos e uma máscara de nylon muito fino que me disfarçaria a cara e me transformaria noutra pessoa. Essa máscara só seria levantada na altura em que estivesse frente a frente com um deles para então fazer a pergunta fatídica que, aliás, fiz a todos eles antes de os matar. Ao levantar a máscara, perguntei-lhes:
-- Lembra-se de mim?
E então, todos eles abriram muito os olhos, como se estivessem a ver um fantasma, e a última coisa que disseram na vida foi o meu nome:
-- Cláudia!!!

Desde a primeira hora em que recuperei os sentidos, no hospital de Joanesburgo, jurei vingar-me de todos eles, nem que fosse a última coisa que fizesse na vida. Agora, estou descansada. Vinguei-me. Cumpri a promessa que fiz a mim própria. Estou preparada para pagar pelos meus crimes. Aqui me têm.
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O depoimento de Cláudia Manuela Pereira, a famosa “Aranha Vermelha”, fez manchete em todos os jornais do país e em alguns do estrangeiro e foi, durante vários dias, notícia de primeira linha nas emissoras da rádio e da televisão em todo o país. Muitas pessoas, especialmente a camada feminina, se comoveram, outras até fizeram petições ao tribunal para que a sua pena fosse reduzida. As suas palavras foram repetidas na rádio e na televisão e a sua imagem ficou gravada na mente de muitas pessoas, não como uma criminosa mas como uma vítima.

Seja como for, o caso “Aranha Vermelha” tem sido um dos casos mais comentados e controversos dos anais da história da criminalidade em Angola.

Ao deixar o edifício da AngoCrime, depois de ter escutado o depoimento da “Aranha Vermelha”, o detective AlfaZero, comentou:
-- Há coisas do arco-da-velha!
Ao que o Inspector Juvenal, respondeu:
-- É caso para dizer, como diz o ditado: “Cá se fazem, cá se pagam…”


Escrito por
Helder Oliveira
(Helder de Jesus Ferreira de Oliveira)
Do livro não publicado
“O Detective AlfaZero em Acção”





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