Génesis

Data 31/03/2008 08:15:50 | Tópico: Poemas -> Amor

Aqui
onde quase todas as coisas adormecem
sem nunca terem sentido a força de teus braços
criei pastosas raízes
à terra
à rocha
ao íngreme acutilante da fraga
aos mais ínfimos espaços.

Sento-me na poeira fina libertada pó d’argila
p’lo talhe penetrante da charrua.
Mimo o corpo em residência primeira
na seiva d’erva azeda
póstuma sementeira golpeada p’la enxada.
Deixo que o cheiro doce da madrugada me possua
cada poro
cada camada dérmica
cada película tenra de alma
cada língua d’água libertada gota a gota em deriva.

Há aqui um tempo calmo, amado,
um tempo leve
espessado na frescura voluptuosa de um tule -
tão leve, tão táctil, tão brando -,
um afago azul inverosímil de tão terno
e o registo antigo
das tuas mãos depostas na concha púbica do prazer
a fiar
a cerzir
a tecer
em tear líquido de linho
um orgasmo
um gemido do mais divino bem-querer.

Aqui
onde quase todas as coisas adormecem
sem nunca terem sentido a força anímica de teus braços
há o encantamento reconhecido se provindo do silêncio genésico e uterino.




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