... virgem de vagas velas e marés

Data 01/04/2008 08:13:05 | Tópico: Poemas -> Sombrios

É na mansidão das coisas unas que me encontras
virgem de vagas velas e marés.

A cada final de tarde quando o sol mergulha rubro no Infinito percorro a praia sempre vazia, de lés a lés.
Oiço do mar, sons longínquos, gritos alados das gaivotas
a romper a aurora dos dias maquinais;
Atento no vibrado das espumas
no arquejo da incubação dos ovos
no riso sincopado e angélico das sereias
em celebração dos mistérios nados, primordiais.

Depois,
quando a bruma se desvanece lá mais ao largo,
quando o luar incendeia a linha recta do horizonte
recolho o que resta das lágrimas, das neblinas,
e teço
e cirzo
e coso e recoso
cordas sempre tenras, sempre finas, à cítara de banais horas.

A deshoras, guardo estrelas da manhã no centro do meu peito
[aqui, onde palavras são singelo alimento]
adentro-me em cios,
em velas,
em enxurradas e torrentes,
sempre etérea, sempre nua em tuas veias, e canto-te
em libretos, em sinfonias,
acordes semi-breves e colcheias.
Canto-te neste canto-pranto que me escorre p’la garganta
que me minimiza e te agiganta …

Por fim, ninfa marítima, de ventos gráceis e delicados
percorro o novo dia d’ecos pálidos
e a teus pés decaio extinta em atados de rosas
em pétalas soltas de maresia…

Agora beijas-me sôfrego a boca,
exultas de mim o último suspiro de vida…
Eremita, recolhes escamas de meu dorso,
arrancas-me os olhos como um tesoiro,
duas safiras, marinhas-águas, para os porões do teu navio,
bordas meu nome nas insígnias da tua armada e partes.
(nunca estiveste aqui)

No meu nome o néctar depósito de todas as searas,
no meu corpo o sangue fermentado p’la ansiedade…

É tarde … tão tarde!




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