ofício dos egressos

Data 05/10/2018 09:33:29 | Tópico: Poemas

por alguma razão a maior palavra da minha língua
é uma doença

outrora já houve cânticos, adornos e vinho
já houve o torso negro de uma hebreia
e um escapulário de esperança

era o tempo do oráculo e dos sismos

mas a solenidade do outono
encontrou-nos despidos sobre as estepes
e viu a nossa fuga e inverteu-nos o rumo,
tocados a sinais

foi o tempo do cativeiro e do exílio

seguindo a lei
habitámos esta câmara ardente
que deita, dia sim dia não,
para um horizonte de têmporas e cantochão
onde antes só se encapelava
o estuário das nossas bocas

cruzávamo-nos uma e outra vez
e desdenhávamos o engenho que se entrega
a outros de menos conta:
nunca aprendemos a descoser a sintaxe
e a pontear rimas
(que nos perdêssemos pelo rigor mortis,
não por destoarmos no coro dominical)

certa noite cingimos a pele com braçais de luto
e contemplámos mais uma vez
as linhas de fogo que nascem e morrem
com o vento suão:
eram as vozes que nos amortalhavam
para o deserto

seria o tempo do abandono e da entrega

não mais me trago comigo
não me peçam contas do que se passou
tendes versos
haverá melhor herança?


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