Navegando

Data 01/04/2008 14:10:21 | Tópico: Textos -> Amor

A ausência de maresia baralha-me os sentidos.
Saltitando na manga metálica que leva ao interior da besta marinha rapidamente perco o Norte.
Agarro uma mão pequenina que esta ocupada demais para se preocupar com algo mais e rapidamente me encontro.Descemos ás profundezas do navio e encontramos o nosso ninho familiar.
Casa é onde estás tu e os que amas.
O balanço é constante e o meu cérebro não reconhece o cenário. Tentando constantemente avaliar a sua posição no espaço acaba por se agoniar no próprio insucesso.
Encostando-me no fresco leito da camarata desfaço o tempo e afundo-me em mim. Revejo,releio,revivo todas as minhas memórias maritimas e em breve sinto-me num morno e suave berço.
O Mar move-se por debaixo dos meus pés e eu quase que por milagre permaneço a pé seco.Ela sorri e o meu pequeno amigo parece mais feliz que nunca.
Para ele é a sua primeira grande aventura e para mim um prazer vê-la acontecer in loco.
O sorriso deles é a Paz no mundo e em breve estamos na popa do navio esperando a largada.
A ausência de caras conhecidas á despedida é algo doce para mim pois prende-me ao presente. Agarro na máquina e registo vários momentos.
Novato sinto o mundo mover-se quando afinal sou eu em movimento. Rio-me com gosto de mim mesmo e o mundo parece mais belo que nunca.
Abro o olho critico e vejo o quão artificial e supérfluo é este microcosmos flutuante.Mas o sorriso dos que amo nunca me deixa esquecer do quão profundo e metafisico pode ser um luxo.
Já largámos amarras e sinto claramente o conflicto debaixo de mim. Algo tão puro quanto o Mar sendo forçado a embalar suavemente quem o explorará até ao fim. A proa implacável a sulcar algo que também foi virgem e um rasto de espuma que atrai visitantes maritimos em busca de morte.
Na ventosa popa vejo o meu chapéu voar em direcção ao esquecimento e sorrio em paz quando alguém me pergunta se estou triste com a perda.
Escuto com Amor que o rasto que deixamos pode ser o essencial combustivel que nos leva a coisas novas.Tenho que aceitar que com um olho no passado é possivel escrever um bom futuro.
Nem todos conseguem viver só de agoras e eu tenho que respeitar isso como tento respeitar todo o resto.
A espuma funde-se agora com as nuvens no fim do horizonte e sem duvida somos muito mais que a soma das nossas partes. A vida parece-me um gigantesco algodão doce e eu uma pequena formiga gulosa e incrédula sem saber por onde começar.
Observo deleitado as descobertas fáceis do meu jovem amigo e em breve sinto-me parte de tudo aquilo que me rodeia.
O abandono único de navegar no mar alto junta-nos duma maneira antiga e tribal. Um cortar de amarras literal ocorre em cada um e há quem deseje não mais terra conhecida pisar.
Unidos pelo facto de estarmos separados encetamos contactos impossiveis de outra forma.E tudo acontece como devia acontecer.Em terra firme como no mar.
Um amor natural surge iluminado por luzes artificiais e acontece ao ritmo das ondas do Mar Do Norte. A excitação sente-se no ar e mil coisas explodem em sucessão.Dinheiro e outros valores trocam de mãos e amenizam consciências. Descobrem-se corpos novos que sabemos não poder manter.
A noite não existe a bordo e apenas o corpo comanda os actos.Cada qual explorando os seus limites perdido de amores por um Mar sempre novo.



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