filigrana

Data 04/11/2018 22:25:19 | Tópico: Poemas

O monóculo deste ourives
escorrega tão devagarinho
na tez em suor e enrugada.
E, ao sabor de alguns declives,
em muito intrincado caminho,
constrói rastos da madrugada.

(quando as pepitas em bruto chegam às suas mãos, não adivinham o que são)

Foge da pressa que chega do chão,
acarinha os ossos do ofício.
Na vida do metal a fornalha
queima mais do que a ebulição
onze vezes, no seu início.
Pedra crua assim se trabalha.

(não basta o suor no rosto. A delicadeza no trato fino do fio roça, breve obra, a escultura)

Suspira criatura pelo criador,
entrançada desde o seu parto
num engano dado a quem a lê.
Obedece a um vasto rigor
de linhas, cabelos, teia; farto
em detalhes, sentidos, bom bouquet…

(a minúcia barroca)

Em que parte da arte tão sua
mistura saber, engenho e voz?
Nas estrofes, a palavra solta
também nesse caderno actua.
E é nesses momentos mais a sós
que surge o tesouro em revolta.

(a metamorfose dita-se; escarnece o cisne e o dia da noite)

Envergonha-se com os bordados
nascidos das próprias mãos em calos,
pensados pra serem um adorno.
Não fosse este o seu fado,
procurar magia nos intervalos,
amaldiçoaria o forno.

(o bronze da sua tez esclarece a bijuteria)

Resulta no brilho de renda,
o desenho feito a luz do sol
que quebra o trabalho em luxo.
Na ideia por ter faz-se lenda,
haja fogueira nesse farol
e sonhos para sonhar ao bruxo.

(no fim das frases as minhotas saem à rua, engalanadas)



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