Mendiga vertical

Data 03/04/2008 12:03:38 | Tópico: Poemas -> Sombrios

Volto devagar a passos largos
aos confins do tempo onde me habito
em ruelas retalhadas de um passado.
Volto.
Olho-te agora e vejo-te nítido
à distância inviolável de um arame farpado.
Deambulo serena, misantropa,
sem horizonte
sem destino
sem bússola, guia outra que me indique o traçado.
Dispo-me de todas as vestes;
De todas as roupas e fatuidades;
De todas póstumas glórias.
Mendiga
vergo-me na verticalidade recta do fio-de-prumo.
Abismo-te.
Mutilo-me.
Esventro-me e, sobre a pedra mais alta da colina,
ofereço-me sem medo a festins lautos d’abutres
em troca absoluta com a Mãe Natureza.
Nesta inexcedível certeza de actos,
totalizo-me em cada escama
em cada pena
em cada seiva orgânica -
igual aos pássaros
aos répteis
aos batráquios
aos peixes
e a todos os poetas e jograis,
da terra ali em baixo, aqueloutros animais.

Sentada no dia que nasceu antes de mim
busco sinais nas estrelas que vejo em propulsões.
Celebro o meu corpo em sangue
na veia cava dos astros
quando beijo o néon efervescente de milhões de cactos.




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