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No final do corredor, na antecâmara escarlate ao lado do quarto real, eis que me assento depois de um dia extenuante.
Preciso pôr em ordem, na sala à frente, o carfanaum em que se encontra meus projetos e cópias de processos empilhados sobre a mobília...
Tantas informações, tantas decisões a tomar e dar meu parecer final, enfim...
Pensei no almoço, na reunião: aquela mortadela defumada, petiscos, bolinhos de camarão, aquele peixe ao molho branco, aquele cajá meio passado... Lembro-me agora dos pratos e guloseimas.
Problemas neste jornal logo na primeira página, o caderno de lazer, enfim, a página cultural.
Quanta responsabilidade em minhas costas: pagar as contas de meu povo tão íntimo, fazer planos e estabilizar a economia familiar. Fardo pesado é ser rei.
Estou com três casos pendentes pra resolver no fórum; tomara que dê acordo. Estou ensimesmado, mas confiante.
Como é duro sentar no trono dos verdadeiros e pensar em tudo que me rodeia... traçar indiretamente o destino de outrem. Até ao pó, sem querer, muitos lancei com procuração e palavras de rei.
Defendi, em juízo, até ladrão de galinha. Mas, graças a Deus, posso me sentar no trono dos verdadeiros, não porque me elegeram, elegi-me a mim mesmo por instinto, creio.
Aqui refletindo ouço o vozear lá das ruas, de crianças, serviçais... Levanto-me.
E, pela fresta da janela vejo o vendedor de pamonha fazendo o seu 'merchan' com seu megafone, e outro, com os seus cacarecos, puxando a carrocinha. É o povo. Pessoas sós e aos pares, felizes, falando da vida. E, vez por outra, carros apressados com seus motores barulhentos. É, todos livres e eu aqui esforçando-me ao máximo para entender a roda viva.
Sinto-me estupefato de tanto pensar. O suor corre no meu rosto como se o dia inteiro na roça, debaixo do Sol, eu estivesse a capinar. Dou outra repassada no jornal, no caderno de esportes: meu time, de novo nada, nada, nada e morre na praia. Meu time é o Real. Como pode perder pra esses pés-rapados?
Passo o antebraço pelo rosto, de novo. Já é agosto, mês do meu aniversário. Vejo queima de fogos, balões, rojões... meu nome em faixas publicitárias: "Reeleja Rehgginho, o nosso reizinho Que não faz burrada, faz tudo direitinho. Viva o rei!" Tenho que rir.
Afinal, não posso ser 100% sério porque certamente o hospício me aceitaria. Mas não, não, não posso me dar ao luxo de quebrar minha seriedade, minha sobriedade. Destinos estão em minhas mãos. A justiça está embutida em mim como uma natural camuflagem, como um caroço de abacate que se descarta, mas que sem o mesmo a fruta não seria.
Estou no trono dos verdadeiros.
Um último esforço à limpeza do meu ser. Levanto-me do trono. Meu jornal está desfolhado. Noto meus dedos pintados de tinta off-set. Tudo está contaminado. Tudo está fétido ao redor.
Preciso pôr ordem na casa, pois sou o rei deste palácio. Não, ainda não! Um último 'aqualouco' faz 'tigum'. Chiii! o papel úmido rasgou bem agora! Sem querer cutuquei a raiz. Este jornal vem a calhar. Vou usar a página de classificados. Não a leio mesmo.
(2/2/2009)
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