OLÁ, JÁ ENCONTRASTE O AMOR

Data 10/09/2019 16:34:37 | Tópico: Contos


Adão e Eva no paraíso em Bad Nauheim, Alemanha. Richard Hess



"Olá Já Encontraste o Amor" é um conto integrado em "Um Passo Mais" do qual fazem parte mais dois contos, "Quem Abre o Coração No Luso Poemas" e "A Quinta Da Azenha".









À Albertina Alves Monteiro. É preciso coragem para mudar,
É preciso coragem para ser feliz.














Quando ela o encontrou no Facebook os seus olhos surpreendidos encheram-se de um brilho agradavelmente bonito. Amava-a há tanto tempo que imediatamente se esqueceu da idade e do cansaço da existência que lhe havia subtraído a luminância dos olhos.


Sim, Francisca é a mulher por quem desde tenra idade se sentiu encantado, e se vê ainda hoje verdadeiramente apaixonado.

Apaixonara-se por ela num dos corredores da escola Industrial e Comercial de Gondomar antes ainda da ex mulher à primeira vez que a vira. Francisca não é uma mulher como as outras, a sua doce expressão desafiadora, o seu esplendor, a sua voz harmoniosa, a sua presença estimulante, são características que abrem uma porta de libertação para o infinito a qualquer sonhador de bom gosto. Constatou-o depois de se terem enamorado, depois dos afetos partilhados à luz da noite, e que os dois teimavam em dizer que era a do primeiro amanhecer, todos os dias nos intervalos ou após as aulas, sem que, contudo, tivessem tomado consciência do momento ímpar que estavam a viver.

Na época despontava um tempo de loucuras. Francisca mais mulher que ele homem, mais madura e definida que Pedro a crescer depois de perceber a sua imaturidade decidiu que Pedro seria somente o seu primeiro namorado e o romance dissolvera-se pouco mais de uma dúzia de meses depois. Como eram demasiado novos nenhum reparou que os corações batiam forte para o mesmo lado, e os seus caminhos assim se separaram por muitos e muitos anos, ocupados noutras vidas que empreenderam e viriam a cumprir e a respeitar escrupulosamente até ao fim.

Naquele dia em que, francamente, o destino fez com que se reencontrassem, Francisca ressuscitou o amor que Pedro sentia por ela, até então em segredo, e à data adormecido.

E aqui começa um drama.

Que diabo! Recomeçaram por uma boa amizade, mas depressa se manifestaram encantados um pelo outro diante as janelas a quem uma porta se abre em segredo. E esse foi o principio do fim.

Pedro não conteve o bater forte do seu coração e certo dia acometido por um fio corajoso resolveu declarar o seu amor a Francisca, novamente, e agora finalmente após tantos mundos de duas vidas deixadas para trás.

E no início imbuídos da elasticidade, do espírito do amor, tudo funcionou perfeitamente.

- Lembrei-me quando éramos adolescentes, quando os nossos olhos eram de uma magnificência extraordinária e não tínhamos ainda de que nos queixar.

Francisca foi sempre uma mulher fascinante e conserva ainda nesta altura a docilidade de Maria nos seus olhos azuis amendoados e no rosto um ar terno, e querido de menina.

- Realmente…

E assim se enamoraram novamente, e assim se mostraram perdidos, e assim namoraram durante todo o verão.

Recordaram os momentos mais cintilantes ocorridos entre eles há muitos anos vivendo de novo no leito do momento mais grandioso do amor numa ardente e intensa paixão, apesar dos inúmeros quilómetros que os separam.

- Bom, Francisca é uma mulher lindíssima, e nem as leves mudanças operadas pela idade lhe retiraram o charme, a transparente ternura, agora somado à beleza de uma mulher adulta, edénica, tal a poesia. Ela é o paraíso.

Como aceitou ele ser dominado pelo coração! Inocente. Vivia afogado numa pálida vida dias pesados em que mal conseguia sobreviver, mas tal o guerreiro, admiravelmente transcendente, sempre combateu a morte, e convenhamos, para alguém sonhador nada melhor que o amor, o divino, o verdadeiro amor.

Sempre que fechava os olhos o sonho era sempre o mesmo, e era como se entrasse em transe sempre que falava com ela. E falavam-se diariamente. Tanto ele como ela quando inquiridos recusaram falar dos momentos mais íntimos, compreensivelmente, no entanto sempre foram dizendo...

Ela:

- Ele, fez-se homem e tornou-se num louco... é como um pleno sol que nos enlouquece, e é meigo, enche-me de... desejo, faz-me sentir mulher, princesa.

Ele:

- Ela é viva, mulher ampla, luar de ninfa, de abrasar, mais brilhante que um perfume obsceno. Sim, uma verdadeira princesa.

O auge do bonito e intenso romance, até aí em crescendo, deu-se em Agosto e perdurou até meados de Setembro quando ela teve de se deslocar subitamente à sua terra natal numa viagem relâmpago para acompanhar o seu saudoso pai à última morada, vendo-se por isso forçada pelas circunstâncias a finalmente colocar os dois pés no chão, num de todo, real.

Francisca tinha um companheiro, e com ele uma relação, embora adormecida, em stand by, fria e sem amor, disse-lhe ela certa vez, mas ainda assim um compromisso. E quando ele se preparava para mais um desejado reencontro físico, ela desaparece por breves dias voltando ao país de acolhimento dias depois sem cumprir o acordado antes da súbita viagem.

Pedro percebeu que o motivo que impedira tal acontecimento não se prendia com a fragilidade emotiva proveniente da dor pelo falecimento do seu querido pai.

Ambos são oriundos de duas famílias humildes da mesma terra. Ela, menina ambiciosa, toda de um trato muito fino e educado. Ele, também, homem culto romântico e sonhador, porém ainda um pouco imaturo e a viver uma fase de privações, incomoda, profunda, a seu ver passageira, perfeitamente transponível, à qual não dava mais que a devida importância.

- A sede de viver é uma coisa…

É impressionante como a natureza de Pedro se assemelha à natureza lírica, à grandeza humana dos poetas, e a vida dá sempre azo a tudo.

Em meados de Setembro Francisca recuara numa relação que começava a densificar-se, tornando mais escassos os afetos que trocavam on line às escondidas do mundo.

Francisca privilegiava as aparências e havia vestígios da sua relação com o companheiro Belmiro Bastos, homem apatacado cujo comportamento provinciano e machista distante destituído de boas maneiras lhe desagradava, exposta na internet. Assim como cumplicidades económicas somente do domínio dos dois, mas que ela havia revelado a Pedro, manifestando o seu aprisionamento e consequente descontentamento por tal situação, a que ele fechava os olhos na esperança que ela depressa rompesse, segundo ela, a penosa relação que mantinha com o tal homem ausente, tal o prometido, ainda segundo Francisca, o outro, naturalmente.

Embora Pedro a amasse apaixonadamente e a desejasse ardentemente, e ela sentisse a mesma coisa, e à volta houvesse uma aureola onde tudo poderia encaixar perfeitamente, ela começou a parecer distante. Ele mais apaixonado que nunca, mais dado ao amor.

Pedro é um rapaz urbano do campo sofisticado muito generoso, tanto quanto inocente.

Uns meses antes Pedro falara-lhe da sua situação. Abriu-se ingenuamente às perguntas que ela lhe fazia, tateando o caminho. A meu ver esse foi o momento que destruiu o seu interesse por ele, visto Pedro encontrar-se numa situação economicamente delicada fruto de um desemprego prolongado forçado pela doença cardiovascular que o vitimara, nesta altura perfeitamente controlada e vigiada, mas ainda assim motivo de marginalização por parte de uma população maioritariamente materialista manifestamente mal informada, sobrepondo-se à magia do amor. Ainda assim apostado em mostrar veementemente a força da sua juventude de meia idade...

- Ela é um sonho de mulher. Eu, apesar da idade e dos desgostos da vida, ainda acredito no amor.

Como era de esperar. Inocente, capaz de dar a própria vida pela sua amada. Apesar dos anos continua com o mesmo espírito, poético e aventureiro, e que sempre lhe reconhecemos, agora mais comedido, mais assente em alicerces que considero fundamentais, mas igualmente fácil de levar por causa da sua educação, e do seu coração enorme. Pedro é o que podemos chamar de um homem de bem. Um elemento de boa fé.

Mas não foi assim que em finais de Dezembro desse ano reagiu à publicação de um vídeo realizado e publicado por Francisca com memórias ilustrativas de um ano inexistente que não demoraria a acabar interrompendo tudo o que haviam conquistado até aí. E eram raros os dias que ela não lhe telefonava, e eram várias as mensagens que trocavam diariamente nas nuvens.

Às vezes era como se vivessem juntos a maior história de amor carnal e arrebatadora tal eram as cumplicidades, os cuidados, os mimos partilhados de manhã à noite. Ele sentia-a tão próxima de si que, muitas vezes sentia o seu calor aquecer-lhe a alma.

Certo dia os dois falaram de algumas barreiras nos seus caminhos, mas decidiram que o mais importante seria sempre o amor, a união. Falaram dos corpos que, entretanto haviam começado a mudar com a idade, da própria idade que poderia ridicularizar o amor, o que não é salutar e convenhamos, natural, falaram das diferenças socioeconómicas e culturais entre os dois, e que ela na tentativa de lhe dar confiança ignorava, ou respondia-lhe dizendo: nem todos padecemos de preconceito, nem todos trocamos a vida por dinheiro, nem todos somos assim. o que não seria de todo real, mas, convincente.

Creio que para muitas coisas da vida a idade não existe, a fealdade não deveria existir, especialmente para o amor.

Disse-me ele uma vez:

- Aquela mulher levanta-me os pés, fortalece-me a alma, ressuscita-me o espírito... bom, levanta-me tudo. A sua voz é de uma meiguice…

E ela disse-me uma vez:

- Ele foi o meu primeiro… ele é particularmente, especial.

Com certeza disse-lhe eu.

Foi maravilhoso ver os seus olhos sorrirem no rosto ainda fresco e tão airoso, completamente diferente do habitual.

Mas, como ia dizendo, entraram no último mês do ano por linhas travessas.

Certo dia chorou desalmadamente de tristeza por causa dos espinhos verdadeiramente desolado e gaguejante quando confrontado com o porquê da sua tristeza, desiludido pelos comportamentos manifestamente desadequados durante a breve discussão após a visualização do vídeo realizado e publicado por Francisca na sua página do Facebook, quando se dirigiu a ela em modos impróprios, ainda que com razão, incrédulo com a atitude de Francisca, como alguém ou algum brinquedo que acorda no fundo de um buraco. Nos dias que se seguiram quase-quase se matou numa profunda apatia e infelicidade, horrível, zangado com o mundo pela fome dos homens, pela violência da macaqueação dissimulando, substituindo a vida que nos faltará no fim para viver.

Quanto a mim, um futuro romance entre os dois poderá não ter desaparecido completamente. Os dois estão profundamente arrependidos. Pedro é normalmente um homem calmo sensível de bom senso, e no que a educação diz respeito não comete duas vezes o mesmo erro. Não ficaria admirado se um dia o amor vencesse.

Ele sentiu sempre uma necessidade premente de vida, nomeadamente de amor, como se buscasse algo parte de uma cura, ou prevenção de alguma doença, talvez maligna, que lhe possa de alguma forma amputar as pernas, o olhar dócil, e quiçá, até matar.

Em muitos lares o amor continua a ser um contrato, cumplicidades económicas, a necessidade de apresentar à sociedade uma imagem séria e tão respeitadora quanto a balada da meia noite. Noutros, a possibilidade de gerar filhos. Para o poeta o amor é um sentimento maior que se consolida sob a raiz cristalina de dois seres. Eu não sei... será a grandeza intima do poeta uma ilusão?

Quanto tempo demora um coração ferido a sarar!

Não sei, mas, ainda ontem Pedro sangrava abundantemente como se lhe tivessem roubado as cores e eu tenho as maiores dúvidas que com esta chuva a quebrar em mil pedaços vejamos nascer o sol amanhã. Quanto à oportunidade...

- No futuro tudo pode acontecer.
Disse ela.

- Ela...
Disse ele.


Alberto Moreira Ferreira


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