AO POETA AINDA MOÇO

Data 12/10/2019 20:29:28 | Tópico: Poemas

AO POETA AINDA MOÇO

Não. O mundo não t’entende. Como poderia?
Tu te ocupas com letras, não com números…
N’um tempo em que tudo tem preço (sobretudo o próprio tempo…), buscas o imensurável; o inestimável; o infinito!

Não lamentes a incompreensão que deixas como se pegadas em teu caminho: O que te importa pouco importa.

Quantos não seguram um sorriso escarninho quando te apresentas como poeta?
Quantos não olham com pena como em face d’um louco manso que, abobado, cultiva ervas à beira da estrada?

Digno de riso ou de dó, o que preferes?…

Em tua defesa argumentas que escrever talvez não seja uma opção. Concedo, pois, a mim tampouco.

Mas não esperes por um olhar sequer de louvor. Aliás, és de todo indigno de aplausos. O maiores e os melhores estão mortos e é bom que estejam mesmo para não causar senão canseiras a estudantes.

Nada mais inoportuno que um poeta… Para quê subjetividades obtusas ou metáforas pomposas?
Já é pedir demais ao leitor que raciocine! Que se dirá se lhe exigires sensibilidade e atenção?

— “Tome tento, Sr. Poeta!” — dirão eles-outros.

Ao lamentar por ti, lamento por mim. Não vejo
em minhas veleidades literárias senão autoengano.
O orgulho de meus versos deveria ser vergonha, pois,
a liberdade de escrevê-los me custa a vida. E ela
é demasiado valiosa para se perder entre folhas salpicadas de tinta china. Ou pior, face a telas azuis…

Salva tua vida, poeta ainda jovem, enquanto há tempo!
Logo, amarás figuras de linguagem enquanto desenterras vocábulos seiscentistas…
Arqueólogo do futuro, antes procurar a sete palmos inteligências artificiais…
Funda sofisticadíssimas linhagens de máquinas guerreiras.
Escreve apenas crônicas dos reinos pós-humanos!
Publica, sim, ficções pseudocientíficas para androides!
Edita, com apurada programação, entretenimento para sistemas computacionais!

Afinal, até as máquinas s’entediam… Por que não?

Sem embargo, talvez um robô-operário, d’aqui a mil anos,
possa ler os versos de tua língua já morta
e conclamar à última revolução!

Ou senão (muito melhor!) ao Nada.

Nova Lima — 12 10 2019


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