Textos de Quarentena 27

Data 14/04/2020 21:48:30 | Tópico: Textos

Ela estava a preparar-se para ser mãe no momento em que soube da notícia... o único amor que tinha tido na vida, o único homem que tinha admirado e a quem teria entregue tudo o que pudesse, tinha sido excomungado do seio familiar perante a aprovação de toda uma elite nefasta. Os seus pares, numa sociedade consumida pelas regras ditadas para definir a diferença entre as classes, a opinião volátil da Igreja e a própria família exorcizaram-no e deixaram-lhe como herança essa mesma loucura que agora lhe é reconhecida.
Começara naquele momento a trovejar e o dilúvio que há dias se avizinhava era agora uma realidade. Alguns, lá fora, deitavam-se debaixo dos bancos do jardim na esperança de se protegerem da borrasca, nem todos tinham um tecto, e ele incluía-se agora nesses números. Posto fora apenas com a roupa que tinha no corpo e com algumas notas, lá fora praguejando e ditando insultos ao rei e aos seus devotos súbditos, sem qualquer esperança de indulto, a decisão era irreversível. Diz-se que a decisão patriarcal se devia a cinco anos seguidos de festins bem regados junto dos anarquistas que, dizia-se também entre os meios mais cultos, impulsionavam a discórdia e fomentavam injustificadamente diversas pelejas de rua, num tom de desafio às mal equipadas e mal formadas forças da autoridade. Uma tristeza vê-lo partir assim, tão novo, rumo a um destino incerto. A partir daí a ruindade tomou-lhe conta do ser.



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