Textos de Quarentena 32

Data 19/04/2020 09:02:52 | Tópico: Textos

Subitamente, o escândalo. Os investimentos da família tinham caído em desgraça mercê de uma aventura transfronteiriça, o seu equilíbrio nos espaços que se haviam habituado pisar tremia agora e previa uma escassez de deslocações à corte, os restantes barões da finança afastavam-se aos poucos e aos poucos lhes fechavam as portas. Também as soluções escasseavam. A sua vingança, no entanto, via-se adiada porque queria ser ele o obreiro de toda esta espiral recessiva, mas ainda assim via com bons olhos esta precoce queda social, principalmente do seu tio e irmãos, uma lufada de ar fresco pensar que tal poderia estar para breve.
Bem feitas as contas, esta poderia ser uma reedição de muitas histórias que ele tinha ouvido e lido na sua adolescência, altura em que tinha a possibilidade, rara na altura, de aceder aos livros de Alexandre Dumas, por exemplo, ou de outros grandes da literatura. Perguntar-se-ia, talvez, no seu íntimo, se deveria usar a sua enferma astúcia para ser ele a fazer o caminho contrário ao da suas ex-família, o que por certo seria uma fatalidade para alguns. Teria de arranjar um plano para não perder esta oportunidade de ser maior que todos os outros.
A cada dia que passava roubava... sim, roubar será o termo correcto, roubava o pasquim diário do quiosque junto ao jardim para se inteirar dos desenvolvimentos sobre a alta sociedade, lá saberia quais as opiniões sobre o futuro daquela corja que desejava ver arrastar-se no esgoto.
O facto de se ter tornado um criminoso indesejável aos olhos de muitos granjeou-lhe muitos inimigos, mas os seus serviços - ou melhor, os serviços que lhe encomendavam, porque ele não os executava, limitava-se a organizar os prestadores de serviços e a providenciá-los de modo a que nada falhasse - garantiram-lhe três coisas: respeito (leia-se medo), favores e dinheiro.
A sua figura, agora, agigantava-se dentro do seu mundo, qual fénix renascida, era este o novo Frankenstein costurado com os medos de cada um e com os erros de todos.


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