
o isolamento no Alentejo
Data 28/05/2020 18:27:54 | Tópico: Poemas
| Aqui por dentro do Alentejo Há coisas que só eu vejo. Passam mais coisas Do que as que se passam: Passa o sol, Passam as nuvens, Passa o vento, Mas passar, não se passa nada… Passa o verão bem dourado, Passa a primavera colorida, Passa o outono e leva a alegria nas folhas, Passa o inverno frio e lento E a trovoada malina É a única fonte de adrenalina. Até o tempo teima em passar Mas nem parece, Os anos também vão passando, As dores vêm e vão, Os cabelos grisalhos vêm e ficam, Alguns caem, heheheheh As visitas, raras, acontecem Adivinhando as despedidas E fico outra vez só… Aqui no horizonte À volta do monte O silêncio farta. Com um esforço, até consigo ouvir Os passos da minha sombra. O padeiro é semanal Com um dia de pão mole, Era bom que me trouxesse um jornal Mas vem sempre com pressa. Aqui não há disso Pressa para quê? Só se for para morrer! E a memória? Memórias daqui tenho-as eu, Agora quem cá vem Também as deve ter Mas levam-nas com eles, Não fica cá nada, Só eu com saudades de quem parte… E a música? A música, de dia, está sempre ligada, A música da natureza: Os badalos do gado, A água correndo na ribeira, Os pássaros cantando, O canto longínquo das raposas Conforme deixa o vento, O cacarejar das galinhas Submisso à mestria do galo, O grunhir paciente dos porcos, Ouve-se de tudo um pouco. E eu às vezes também canto Mas ninguém pode ouvir, A lotação está esgotada, hehehhe A minha alma comprou os bilhetes todos… Ah, e também escrevo Mas aqui ninguém sabe ler, A solidão tem destas coisas. E a esperança? A esperança fica tão longe Como daqui à vizinhança. E eu até que gostava de morrer depois da esperança Mas ainda ninguém conseguiu, heheheheh.
|
|