
O POEMA À VIRGEM
Data 03/11/2020 15:11:01 | Tópico: Poemas -> Religião
| "Concepção da virgem"
Ouves já, ó pequenina, A tênue voz do meu canto, Ou dormes inda quietinha No berço materno santo?
Sim, ouves! Os teus ouvidos são já despertos, são bons: É a teia dos meus vícios Que estorva meus pobres sons.
Se pudesse à fresca noite Faltar o leve rocio Se de altaneira nascente Pudesse não vir o rio,
Se pudesse o grave nimbo Não desprender a sua água, E as fontes reborbulhando Negar os olhos com mágoa:
Poderia a tua piedade Deixar-nos também sequiosos: Não ser o teu pequenino Coração um mar de gozos!
Teu coração é fornalha De um infinito calor: Todo inteiro me incendeie Esse amor do teu amor!
"Maria recém-nascida"
Insensato, que paixão Te arrasta num remoinho?... Teus pés agora onde vão, E após ele mesquinho Do coração?
Olhos meus, que vagueias Cansado por esta vida, Oh! Por que não descansais Na rosa recém-nascida Destes rosais?
Este meu rude cantar Acolhe-o, Virgem formosa, É de um mendigo sem lar: Serve ao menos, ó rosa, Pra te embalar!
Preparadas tenho aqui Muitas outras flores belas, Para ofertá-las a ti: São mil grinaldas singelas Que entreteci!
Guardou-as o amor porém Para aquele alegre dia, Que, em teu colo de cecém, Dormir, pequena Maria, Teu doce Bem!
"Apresentação da virgem no templo"
Apenas teu semblante encantador assoma No humilde limiar Do paterno solar, Enche Jerusalém do mais suave aroma.
Eu o senti decerto: aquele belo dia Pus-me, sem saber, A correr, a correr Um quê misterioso o caminho me abria.
E eu vi... oh! Que visão! e tombei trespassado Por um dardo de amor: Sim, foi: foi o fulgor, Virgem, do teu olhar, que me feriu o lado.
Um incêndio se ergueu, de viva claridade Dentro no coração! Nova, feliz canção Ditou à minha voz o amor da Virgindade:
Oh! tarde. Muito tarde entendo o meu destroço: Há muito me perdi, Ó fulgido rubi Que és o maior fulgor num Coração de moço!
Que fera tão cruel, ó minha Herdade bela, A sebe te arrancou? Que monstro derrocou A potente muralha à tua cidadela?
Ó santa Virgindade, ó noiva tão formosa De noivo tão gentil, Que tempestade vil Te veio esfolhar do peito a branca rosa?
Oh! quando, já mui perto, a morte negra fria Em torpe abraço quis Do peito do infeliz A pureza manchar no leito em que jazia,
Não sei que ciciar suave de aura mansa Roçou-me o coração: Era a consolação Que me vinha tocar a harpa da esperança: Ergue-te, vem comigo, oh! vem do Onipotente Aos sagrados umbrais E não me deixes mais! Tu meu servo serás aqui perpetuamente!
Ouvi, e à minha alma a vida esmorecida Lento, lento voltou: A língua me soltou E eu disse: “Eis-me, eu te sigo, ó luz de minha vida!”
"Anunciação e maternidade divina"
Meigo sono solta os ombros Que atara o labor do dia: Na terra só brilha a lâmpada Do teu olhar, ó Maria.
Revolves na mente há muito O alto mistério divino: Contemplar o rosto almejas Do teu formoso menino
Anseias libar mil ósculos Dessa boquinha formosa, Estampar teus doces lábios Em suas faces cor de rosa.
“Meu futuro paraíso, Vem, nasce, ó eterno Deus! Vem dar-me um beijo celeste Desses labiozinhos teus!”
Enquanto assim desabafas A chama do teu amor, E esperas vê o semblante Do que Deus fez teu penhor:
Vestido da carne humana Eis nasce o Verbo menino: Dorme intacta a virgindade Em teu albergue divino.
Como o caule verdejante Produz a nitente flor, Sem que ela no desata-se Lhe fira em nada o condor:
Como o sol passa as vidraças Com seus fios coruscantes. Tira e retira seus raios Deixando o vidro como antes:
Por essa porta de aurora Sai o príncipe do Céu: Não rangeu um só ferrolho Não se roçou um só véu.
Saiu do tálamo augusto Qual esposado novel: À nova esposa levando De eterno amor o anel.
Já te prendem de joelhos De santo respeito os laços: Mas, és mãe, já não resistes A enfaixá-lo de abraços!
Chaga divina, quem te abriu primeiro Não foi a lança, não! Jesus amou-nos, e esse amor imenso Rasgou-lhe o coração!
Fonte perene a borbulhar no seio Do celestial Éden, De tuas águas a flor da santidade Na terra se mantém!
Real caminho ao viajor pedido Umbral da eternidade, Trincheira certa na refrega ardente, Porto na tempestade!
Purpúrea rosa a repartir benéfica Exalações divinas, Joia que, ao pecador, do Céu descerra As portas cristalinas!
Macio ninho, que reguarda os ovos Às cândidas pombinhas Em ti vêm ocultar suas esperanças As tímidas rolinhas.
Sublime chaga a rutilar formosa De eterno resplendor Tu és que feres nossos frios peitos Em centelhas de amor!
Celeste chaga, abriste larga estrada Em nosso coração, Por onde possa entrar suavemente Da cruz a salvação!
Prova inaudita és tu, ó viva chaga, Do amor do meu Jesus! A ti se acolhe a barca na procela, Farol da eterna luz!
Sede eterna da paz, límpida fonte De linfa perenal, A refrescar suave com seus jorros A pátria celestial!
Só tu, ó Mãe, sentiste o rude ferro que esta chaga rasgou! A ti pertence dar aí refúgio Ao pobre que pecou. Deixa pois que eu corra a esse abrigo Que a lança me mostrou: Quero passar unido toda a vida Àquele que me amou!
À sombra desse amor acalentado Alegre hei de viver: Dentro em teu coração, ó meu amado Virei enfim morrer!
SÃO JOSÉ DE ANCHIETA (Padre José de Anchieta apóstolo do Brasil)
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