O Dia que eu quase morri...

Data 07/11/2020 00:36:34 | Tópico: Homenagens

Sei que não está em clima para bailes, meu amigo! Será que você já curtiu outros estilos musicais? Sei o que corre em suas veias! Samba!
Esse samba arde tanto em suas veias, é pura emoção, goteja de seus olhos e sai/cai em forma de canção.
Você já me levou a tantos bailes de carnaval embalados por seus poemas/canções, pela sua voz...agora é a minha vez!
Sorriu me imaginando desafinar? Pois é, não canto, o cantor aqui é você. Quero levá-lo a um baile da saudade numa prosa. Posso? Vamos lá?
Abra essa porta, deixe o calor entrar e sua amiga desvairada te aconchegar.
Era mais um baile de memórias de gerações, onde os maduros encarnavam Elvis Presley e as experientes abusavam dos laços e bolinhas ou ambos relembravam os tempos da discoteca, da brilhantina ou viravam hippies nas vestimentas, nas danças e no humor.
Os jovens que acompanhavam os pais e os avós se dividiam. Enquanto uns sofriam vestidos a rigor para os anos passados, outros se divertiam bastante e entravam totalmente no clima da festa.
Dona Tânia Regina era uma figurinha assídua desse baile que era realizado a cada 5 anos. Esse era um baile diferente para essa senhora, o primeiro sem o esposo. Ela estava na companhia da filha e da neta que eram suas homônimas. Como? Eu quis dizer que a senhora estava com Tânia Regina Filha e com Tânia Regina Neta.
Era o primeiro baile de Neta, adolescente de 16 anos, única filha de Tânia Filha que seguiu o exemplo da mãe.
As três estavam deslumbrantes em vestidos pretos com bolinhas brancas, com laços de fita da mesma estampa amarrados nos cabelos; pareciam trigêmeas.
Na mesa uma amiga da vó muito animada e falastrona perguntou: - Tânia, você ainda faz sacanagem?
- Fazia bastante, Raul adorava- respondeu a vó e no final da frase, engolindo as lágrimas continuou: Filha que faz sacanagem ainda.
Neta quase se engasgou, com um dos quitutes da festa, escutando essa conversa. Olhou para os copos das outras três, disfarçadamente, tentando esmiuçar o que havia neles.
Tânia Filha se divorciou quando Neta ainda era um bebê. Voltou a morar na casa dos pais e o ex desapareceu, assim Neta cresceu muito apegada a Raul, o avô.
Raul era um senhor de 70 primaveras, muito brincalhão, mas sua vó e sua mãe eram sérias e reservadas. Que sacanagem! Beberam demais, o álcool está deixando as duas piradas, pensou Neta enviando uma mensagem secreta para alguém que sorriu bastante da situação.
-Neta, larga esse celular e vem dançar- disse Tânia Filha levantando-se e arriscando uns passos de dança.
Neta sorriu observando a mãe e uma vizinha desengonçada que se aproximava. As duas agora estavam chamando atenção no salão com uma coreografia antiga. A garota se levantou e fez uns passos de improviso junto com a mãe e a vizinha.
A vizinha era mãe de Bruno, nerd e gato, era como Neta o definia. De duas mesas ao lado o gato a filmava, todo babado. Trocaram mensagens virtuais, piscadelas e sorrisos.
A garota retornou a mesa para degustar mais um quitute, a vó conversava agora com dois casais de amigos sobre as travessuras de Raul. Todos estavam sentindo falta do seu avô. De algum lugar Raul assistia tudo.
As duas dançarinas foram buscar, na verdade, arrastar a terceira pantera, Neta Comilona, novamente para pista de dança. A mãe disse:- Neta gosta de sacanagem.
A vizinha acrescentou: -Percebe-se que essa mocinha gosta de sacanagem.
-Vamos ter uma conversa quando chegarmos em casa- intimou a mãe.
A garota desconfiada só imaginou que as duas tivessem bisbilhotado o celular dela ou o celular de Bruno, lido as mensagens.
Fim de baile, ao chegar em casa, Neta foi logo gritando: -Prometo que não fiz sacanagem com o vizinho.
Filha ficou confusa, mas Raul que escutou a conversa e entendeu tudo, desfez logo o engano. Os três caíram na gargalhada até Tânia Regina entrar na sala com um melão embrulhado no papel alumínio.
-Raul, você quase morreu no último baile quando infartou após comer vários espetinhos de frios, me fez prometer que eu iria ao próximo baile com as meninas, sem a sua companhia, se você sobrevivesse à angioplastia e (se você morresse também). Prometeu que nunca mais comeria sacanagem.
-Sim, meu amorzinho, assisti a festa pelo celular, desejei estar com vocês três, troquei mensagem com Neta. Graças a Deus eu não morri. Quanto ao melão, pobre melão, décadas sendo espetado, isso sim era uma grande sacanagem. Retirei todos os espetinhos, um a um do melão. Resisti a todos eles, estão guardados na tupperware para vocês!

Zé, não sei se consegui te fazer sorrir, mas saiba que a vida é um grande baile e no final sempre estaremos juntos! Gosto muito de você! Fica bem, pois Deus está no comando! Força, fé e aquele abraço!





Sacanagem: petisco no palito comum nos anos 70 que consistia em espetinhos de salsicha, queijo e azeitona.



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