Olhares

Data 22/04/2008 15:43:45 | Tópico: Poemas

Senti-me preso num momento
De olhares longíquos e cegos,
A mendigar atenção
Confinado a quatro paredes
Como os peixes nas redes,
Nessas redes da imaginação
De um cristo cucifixado a pregos
Dando ao povo sabor a desalento.

Sentado nesta ilha deserta,
Neste meu mundo de jogo azarado
A passear por um trilho do faz de conta.
Olhos inchados, cambaleantes
Deste ser pequeno em terra de gigantes,
Homem ingénuo que ousa a afronta,
Que não teme a mão do mestre irado,
Desafia estupidamente a morte certa.

A rouquidão que me assola
Por tanto gritar, tanto esperar,
Que me consome toda a vontade
E obriga o corpo a não obedecer.
Faz-me ser algo que não deixa viver
Que me suga tanta humanidade,
Que esquece a necessidade de lembrar.
Dia a dia com ar de esmola.

O vento raso que me traz frio aos pés,
Que me arrepia e me leva a alma,
Disse-me ontem o dia de amanhã
Canta-me hoje os males do passado,
Ri-se incrédulo deste corpo escanzelado
Ao gozar esta minha esperança vã
Por entre nuvens de chuva calma.
Olhos que se erguem para ver quem és.

Subitamente vislumbro o horizonte...
Nele, uma silhueta gasta e corcunda,
Efémero olhar perdido nas pedras do chão
A arrastar o esqueleto sedento.
Reconheço-me naquele escremento
E choro num aperto de coração
Choro esta vida dura e imunda,
A terra, as pedras, o vale, o monte.


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