
Ode a meu pai.
Data 01/02/2021 16:14:36 | Tópico: Poemas
| Ele tinha o rosto em silêncio como pedra viva A boca fina e esquiva não trazia sorrisos fáceis O cabelo era fino e claro, cheirava a gomalina Com a navalha tinha a barba sempre bem-feita Eu o achava tão alto quanto eu gostaria de ser Quando sentava no sofá, cachimbo e chinelos O cachorro deitava-lhe sobre os pés em ritual O rádio de ondas curtas chiava e dava assobios O locutor falava espanhol e ele compenetrado Ia decodificando o mundo, sorrindo enigmático Vez ou outra olhava para o vazio, onde estaria? Não tive tempo de compreendê-lo mais a fundo Muitos anos passaram desde quando ele se foi Quando eu descobri o porquê de ouvir noticias Também descobri que o tempo não volta nunca Tinha tanta coisa que eu queria poder lhe dizer Eu queria mostrar-lhe estes traços tão sumários Cuja inspiração o teve como emblema silencioso Queria ter dito que o compreendo, mas é tarde Só sobraram memórias a me assaltar o raciocínio Que a vida é tão curta para tanto que há a saber Não dos livros, das línguas ou das enciclopédias Mas da própria vida, misteriosa a cada esquina A cada volta, parecendo nos ensinar, a vida dá Meu velho, deixo o que te devia desde sempre O reconhecimento que a minha rebeldia inata Nasceu foi de ti. As respostas um dia as terei.
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