Noturno 6.0

Data 25/02/2021 03:25:31 | Tópico: Poemas

As estórias de meu universo se multiplicam com a chegada da noite
Nessas horas que o azul celeste se permite transmutar em marinho
E o luar trespassa o véu que cobre a terra de infinitos pontos de luz
O sereno noturno é o elixir para o poeta, é o linimento para sua alma
O que me é real, se inicia com os sonhos e vãos gestos volatilizados

Na quietude noturna as palavras represadas pelo dia, se profundem
Dando a exata medida ao poeta qual as asas dão medida ao pássaro
Contemplo as pessoas à minha volta a renderem-se ao recolhimento
Enquanto que para alguns o avanço das trevas as vai induzir ao sono
Dentro de mim a ígnea combustão desperta todas memórias da vida

Com a noite as cores se calam e os cinzas se desdobram soberanos
Eu, fruo dessa linearidade de tantos fugazes contrastes aplainados
Para deitar ao papel estes versos, sentimentos na ponta dos dedos
Que são como a ausência ou o carinho olvidado em tempos de dor
De sentimentos dilacerados, uma remota ficção de amores negados.

Minhas lembranças me vêm como uma tormenta multicor e lúcida
São imagens que orbitam pelas voltas de meu cérebro em vertigem
As ideias fluem e percebo que o antigo coro hoje são vozes mortas
E de tudo que já foi restaram apenas suspiros, aflições revisitadas
Onde estarão os folguedos infantis, tempo sem dor, sorrisos largos

Afasto os pensamentos de tristeza que podem mastigar minh’alma
Reconstruo aqueles campanários das saudosas manhãs de domingo
Reabro as janelas ao mundo que corre lá fora, me volto ao horizonte
A noite flui e gravo minhas percepções ao longo de escuros minutos
E a palavra se inscreve num instante entre instantes mesmo inglória

A cada noite o verbo se refaz, indispensável, gritante, caleidoscópico.
Porque? Por que assim é necessário, insuplantável, refazer a energia
O impulso de vida é feito de desejos irrefletidos, de árvores floridas
Eu, cansado de flutuar sobre abismos, embarco na brisa antemanhã
E a nuvem é realidade ao alcance de um braço, na esquina do infinito
A partir dos 60 anos, decidi escrever um poema a cada aniversário e chamei de Noturno. Ai vão...



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