Divagando-me

Data 20/03/2021 14:54:16 | Tópico: Textos


Na noite que chega, no sono que acena, na dor anestesiada, deixo a porta entre-aberta.
Descuidadamente, viciadamente, no trinco.
Numa inconsciência premeditada.
Entra-me o sonho. Na minha preguiça de viver. Na minha ansiedade. Sem bater. Sem nada dizer. Recosto-me devagar. Estudadamente devagar. E numa estratégia recorrente, numa pose, numa posse desinteressada, jogo-me. Mergulho em mim. Consentindo-o.
Entra-me nas pupilas, na pele, na alma, militantemente adormecida.
Olha-me nos olhos, como se todas as noites, todos os dias, todas as terras me trespassassem. Recostada, não digo nada. Espero.
Como ontem, anteontem, no século passado.
Espero um amanhã. Um mais que nada.
Porque me visita o sonho na noite esquecida e me oferece sorrisos?
Porque desenha nas sombras, o sol da manhã?
Porque me desventra a madrugada? E suspende entre os meus dedos das mãos abertas, que articula como marionetas, futuros inventados.
Hinos de memórias fechadas à chave nos dias de neblina verdadeiramente vividos, mais do que sonhados.
Horizontes de buganvílias. Perfumadas e coloridas. Trepando vontades, entrelaçando esperanças, embelezando saudades.
Um dia, uma noite, aposto, sou eu que vou entrar no sonho aceitando assim, num de repente, tudo o que me vai no espírito. Na mente.
Acho depois, vou ficar muito tempo a sonhar. A sonhar-me.


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