texto de água

Data 17/05/2021 18:41:34 | Tópico: Poemas

Texto de água

As ruas estavam desertas de ti, da tua respiração ofegante quando corrias para apanhar o autocarro de nós, e o perdias.
Quem dá agora de comer aos pombos na praça?
As ruas estavam apinhadas de solidão, de memórias passadas, de abraços dados e cúmplices nas noites frias da cidade.
Ainda te vejo a soprar carícias entre mãos, enquanto o aroma a café te desenha nos prédios, música de rua.
A vendedora gorda de castanhas não está, ficará por isso incompleto o quadro do seu sorriso outonal que pintaste.
E as estátuas? Quem enxugará hoje as suas lágrimas? Quem acariciará o mármore frio das suas mãos, anjos caídos da arte dos homens sós?
E os poemas que não escrevi? A quem os leio agora?
Faltam-me respostas para a angústia da perda, passado tão presente ainda nos teus lábios de papel de embrulho, que rasgávamos em beijos por todo o quarto crescente dos nossos corpos.
Decidi por isso escrever-te este texto de água, veleiro sem porto para atracar, mão que aperta quando larga.
Mais logo, quando me lembrar do teu nome, morro.


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