Pássaros

Data 19/08/2021 21:10:40 | Tópico: Poemas

Terríveis pássaros gerados pelo delírio da febre
Vêm sobrevoar meu rosto e me deformar a visão
Vindos de um espaço negro e sem forma definida
Nutrem-se de meu desespero e crescem ferozes.
Não nasce vida do sangue derramado nas calçadas

Eu já devia saber. Para poder afogar a tola esperança.
Olho no espelho e meus olhos verdes estão inundados
Contrastando com o rubro da moldura que os envolve.
Estou só e a solidão me oprime, roubando meu fôlego
Apertando meu peito e turvando meus pensamentos.

Estendo minhas mãos com os dedos abertos em prece
Mas nada alcanço, diante de mim só há um grave vazio.
Presente somente a ausência de quem amo com loucura.

As sombras da vida desfilam tão aflitas diante de mim
Passam na visão como uma multidão de retirantes
No seu andar serpentino acendem a fúria do abandono.

Tudo que ouço são rumores de uma angústia infinda
Gerando-se como a crisálida sinistra e transparente.
Meus temores tomam vulto em futuras cicatrizes
Em que a morte é companheira constante dos dias,
E o sol é apenas a lembrança dolorida deste calvário.

Sinto-me como se dormisse e sonhasse com a vida
Nela, as pessoas são distantes como os dias de verão
E a ternura apenas se cultiva, mas não se pode viver.
Sei que minhas palavras calarão nas escadas do tempo
Frias tal qual os invernos em se oculta nosso coração

É como o esperar o calor, em vão, até que esse despertador
Com suas garras, te arranque do sonho e da espera querida
O dia amanhece real e frio, cinza como deve ser toda dor

De quem já tem o coração em pedaços, mudo e morto.
As janelas que davam para a vida estão fechadas
E a doçura é uma figura desenhada numa caixa de balas

De onde, um dia, alguém ao olhar para baixo saberá
Que minha dor, ao que parece sem fim, esteve aqui
Estampada em meu rosto, na pressa dos dias corridos
No anonimato das idas e vindas por ladeiras inglórias

{E nada (ou tudo) disso me impedirá de voltar a amar.}


Agosto/2014



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