um poema como um grito

Data 28/04/2008 15:10:47 | Tópico: Poemas

preciso urgentemente
encontrar
um braçado de gestos limpos
um atado de frutos puros
e a paz
a paz que vejo ali ao longe
içar-se destemida no olhar daquelas gentes
que sulcam várzeas de ferro
vindas aos bandos d’azul
por dentro das avenidas

metalúrgicos
operários
pescadores
campesinos
doutores
homens de todas as raças, credos, cores!

preciso urgentemente elevar o braço
o punho erguido
cerrar abrindo os olhos à luz
e gritar ao mundo o mundo que me corre
como um rio profundo e arriscado
pelas veias, pelas periferias dos dedos,
estas que trauteiam em teclas
teclados imperfeitos
palcos e odisseias maiores
tais tamboretes
tambores
ou pianos sustenidos, outrora mudos.

não me calarás mais a voz
não me atarás mais o ventre em gelosias de vidro
não me cortarás mais os pulsos
em ginetes de luto

preciso urgentemente
dar voz à pomba e à cotovia que na lezíria s’agitam
à ceifeira flectida e erecta vertical na vida
aos gemidos aflitos das cordas duma guitarra

e dar crianças à escola
colocar-lhes romãs e rosas na sacola
dar-lhes um porto de abrigo, um poema como um grito,
o amor de amar na dor
um povo
um Homem
e outro, um semblante perdido para além do infinito.

não, não calarás a minha voz!!!

Peniche, 25 de Abril de 2008


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