É manhã neste dia transparente, as roupas brincam no varal No meu pomar de saudades parecem que estão a me acenar Com uma brancura despreocupada, seu brilhar salta à vista No frescor do linho matinal, brota uma babel de sensações Revelando-me a imagem de minha intocada e recatada musa No olhar de tempos antigos, quando vivia em outros quintais Invejava a roupa a balançar ao vento, resvalando seu corpo Qual carícias insuspeitas de abraçá-la como eu queria estar Era bela, frágil, quase assustada, com seu sorriso de cristal Eu a admirava sem pecado numa estima distinta dos corvos Ah, esses eram tantos e tão plenos de recursos, só a rodear Faziam-me sentir miserável por não acha-la ao meu alcance Mas certo dia, soberbo dia, ela com seu vestido todo branco Uma fita nos cabelos, passou ao meu lado, olhou-me e sorriu Com sua elegância esbelta, ela me fez nesse instante levitar E subitamente o sol, dono de todas as cores, coloriu a vida Mas o nosso destino não enveredou os mesmos caminhos Assim, aquela deusa pulsante deixou a esfera do meu olhar O aconchego de sua beleza hoje reside apenas no passado Retrato de dias que só as linhas do poema fazem renascem
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