A Carta Que Nunca Te Escrevi ou a Simples Confissão do Meu Maior Crime (Parte III)

Data 29/04/2008 22:06:23 | Tópico: Prosas Poéticas

Sinto o futuro tão perto de nós, o nosso primeiro beijo, as mãos entrelaçadas num passeio pela areia fria da praia.
Deslizo suavemente a minha mão no teu sedoso peito e deixo-a navegar nessas tuas lágrimas, que derretem com o sal tantos sonhos, desejos, medos. Solta-se em mim um tão grande temor que me joga no infinito das tuas palavras, que se desvanecem nas cores cinzentas do horizonte, já desgastado pelos olhares curiosos de homens e bichos.
Sinto agora o palpitar do teu coração acelerado como o vento que te solta os cabelos e me faz voar nos teus sonhos delicados, saboreio o paladar doce e amargo das palavras que tão bem contornas com teus lábios de mel.
Porque não me dizes o quanto me queres?
Que faço eu aqui, encostado a este muro que é vida a olhar-te como se fosse a primeira vez?
Morre um pouco de mim em cada palavra que escrevo, morre porque sei que não consigo dizer-te cara a cara uma só frase das muitas que te escrevo assim, clandestinamente. Estou preso na minha própria ignorância, na timidez desta estúpida existência… na rotina envergonhada do meu dia a dia.
Por vezes sigo-te horas a fio e depois desisto, olho para o chão e penso – se é que penso - na quantidade de vezes que já pratiquei este acto ridículo. Sou demente ao ponto de perceber essa minha demência, ao ponto de chorar por ti sem conseguir verter uma só lágrima pelo arrependimento de nunca te ter mostrado quão nobres sentimentos.
Sonho um dia estar em frente de um espelho e tentar compreender, olhos nos olhos, como é possível tamanha insensibilidade pessoal.
Perco-me em palavras destemidas que transcendem aquilo que sou, que disfarçam a cobardia das acções que não são praticadas e dos olhares que constantemente se desviam do seu destino, daquilo que no passado seria futuro e que agora é… miragem.
Acaricio as tuas faces e sinto o teu calor num sexo profundo e imaginário, numa utopia que faz história com a minha vida, com as minhas relações longas ou curtas, muitas delas adúlteras e sem significado, puramente sexuais, mas que ainda hoje recordo uma a uma como penitência.
Faço-me sofrer com memórias das alegrias que nunca tive, com as tantas tristezas que dei aqui e ali, com a tua presença que procuro não evitar.
Sou o meu próprio caminho que se percorre sem destino, sem uma meta definida, tortuoso e implacável. Piso o chão molhado pela chuva incessante que me lava o desgosto, que disfarça a vontade que tenho de te ver a cada segundo que vivo, que respiro.
Chove...!
O destino marca-me encontros com todas as horas do dia e a qualquer uma delas, sinto-me assaltado pelo brilho do teu olhar, procuro-o mas não o encontro.
Ando por aí a perder-me num emaranhado de pessoas que insistem em não saber para onde vão, ou sequer de onde vêm, pessoas como eu... mas nunca como tu.
Que estranha sensação esta que me invade o corpo e que me viola insistentemente a privacidade destes pensamentos e de outros que já foram só meus. Enrolo um cigarro e digo para mim mesmo que será o último embora saiba que não vai ser assim, faço isso com as mulheres quando lhes quero dizer qualquer coisa e nunca o digo, faço isso com a vida quando quero que ela mude e ela nunca muda, até faço isso com a sorte e ela não me aparece. Portanto este será o último cigarro antes do próximo.


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