a idade mental e a mentalidade

Data 06/03/2022 08:42:56 | Tópico: Poemas

É a nova a que hesita
que treme não descontente;
como cana ao vento vacila,
é a nova a que credita
suave e tão abertamente
e no olhar, olha intranquila.


É a velha a que decide,
nunca se fecha ou duvida,
velho carvalho de floresta.
É a velha, embora duvide,
nunca mostra essa lida
inda que não passe de giesta.


É a nova a que nova se ri,
riso franco que toca quase tudo;
e com um grito esse tudo imola.
É a nova a que pouco sabe de si
e de si faz eterno estudo,
e do mundo inteiro faz escola.


É a velha a que só ensina,
tem livros gastos sob o braço
e é levada (leva-se), muito a sério.
Já perdeu o ar de menina
há tanto e tanto passo,
e com embaraço perdeu o mistério.


É a nova a velhinha insegura
que pede ajuda a amigos e desconhecidos
e oferece, sem medo, a sua.
É a nova a mais pura,
sem lagos poluídos
que a si mesma se continua.


É a velha a sabida e nova
que sabe os provérbios todos de cor
e ao pé da letra, todos segue.
Que a cada esquina, vê os pés para a cova
e em seu redor
não tem quem lho negue.


É a nova de ar inquieto,
armadura de penas e papelotes,
de bisnaga cheia de veneno para bebés.
Não engana a nova o velho, mais discreto,
tem a nova a alma cheia de lingotes,
o futuro aos seus pés.


É a velha a história do costume,
aforismo com a casa às costas
como caracol ou lenta tartaruga,
e a nova com, de lebre, o lume
ainda não sabe as velhas respostas
que vêm, em cada ruga.


Não há nelas luz de erro,
cada uma traz no lombo a sua cruz,
corpo, alma, história.
Nenhuma delas quer, procura enterro,
ambas correm em contraluz
a um lugar qualquer na memória.


E eu, que nem novo nem velho vou,
quem enfim me acho?
Qual a morada em que moro?
Uma colagem em papel pardo, das duas, sou
sem remetente nem despacho
que intermitente(mente) ignoro.


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