... e era da urze, o mel (Cântico da Liberdade)

Data 01/05/2008 11:38:12 | Tópico: Poemas

“não passarão!
seja qual for a fúria da agressão,
as forças que te querem jugular (…)
que a terra inteira ouviu
e repetiu:
não passarão!”
– Miguel Torga , Não Passarão


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acudiam até si os cheiros intensos
das urzes perdidas em socalcos de serra
buscava o branco
o branco enorme
o branco manto da concórdia, da paz...
(e o fim premente da guerra)
busca-se a si mesma dentro
do verso
e no inverso confesso
ser ela a rima espontânea de um canto
flama tumefaciente de ser jovem
desejar e acreditar

acreditava!

e dalém, dali, e logo além, lhe chegavam as palavras
na prontidão de lhe ampararem a jornada

“não passarão!...”

então, como um profeta a quem não colocam
a mordaça
como um arbusto de ramos linhosos
inda que finos, s’erguia frágil sustentada…

e era da urze, o mel,
numa melodia cristalizada

e era do futuro o seu bordão
o bastão próprio
a convicção
nos caules grossos da própria torga-ordinária(1)
ancorada

à terra! à serra, que a viu nascer.
às matas
ao lugares frescos, pegados, cursos de água

menina-mulher (a vida inteira)

e era ventre, útero e pau de rede
baloiço que se oferece a uma criança
esperança emergente em si mesma sedeada.

seria um dia, quem sabe, poema
canto da sua vontade: Liberdade!

“não passarão”….
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1)torga-ordinária: espécie de urze



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