Testamento

Data 10/11/2022 14:58:46 | Tópico: Poemas

Quando eu me for deixo-te, meu filho
Bem mais que aquilo que um dia herdei
As cicatrizes de ter passado intempéries
Que são signos do que pude aprender
São o teto que abriga na tempestade
Cuida-as na memória, um dia te servirão

Deixo os labirintos que me refugiei
A evitar os tumultos e os rancores
Nos acertos deixo o meu consolo
Nos erros, o meu aprendizado
Deixo além das asas, a rosa-dos-ventos
A uma emplume-as, da outra rompa os limites

Mas o melhor que tenho a deixar
É saber bem usar verbos e pontuação
Saibas não há flores sem boas raízes
E a borracha será a amiga nas tentativas
Deixes seus restos acusatórios sobre o papel
Escrito, apague. Reescrito, perdoa afinal.

Saibas que não falo da sede, mas da água
Pois é esta que entende e acolhe aquela
Porém, não me pertence o mar navegado
Já que este é solidão, deixo-te os remos
Também a esperança que o vento te assista
Testemunhando teus caminhos, porto a porto

Deixo ainda umas poucas palavras que sei
Que são o legado de ter somado as letras
Com minha inafastável fé nos dicionários
Túmulo do silêncio, esse mau conselheiro
Deixo a luz a revelar a inocência e a crueldade
Chama-se poesia, será a tua vez de a decifrar

Deixo-te a ideia que só o amor vale a pena
Se por vezes é a dor, tantas mais é o bálsamo
Não ouças se um dia falarem mal de mim
Pois tudo pode ser somente a verdade
Deixo-te, afinal, mesmo à minha revelia
A glória e a maldição de ter sido poeta





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