Nunca o conheci em carne e osso

Data 03/02/2023 14:40:13 | Tópico: Textos

Nunca o conheci em carne e osso mas sempre me habituei a ouvir falar tanto dele, que é como se o tivesse conhecido de facto. Desde a infância que aquela figura vivia connosco lá em casa. E não era apenas nos retratos a preto e branco, dentro do baú pintado de verde e escondido em cima do guarda-fatos. A sua memória era respeitosamente preservada! Tanto em conversas que falavam de estórias de outros tempos e onde ele sempre aparecia, relatando episódios caricatos e que acabavam sempre em valentes e sonoras gargalhadas em todos os que estavam. Por vezes também se sentava connosco à mesa das refeições... Tantas e tantas vezes. Fosse na sua oficina de marcenaria, onde dava corpo a verdadeiras obras de arte com a ajuda das ferramentas manuais que tinha ao seu dispôr na época e com as quais, na ausência de um filho que nunca tivera, ensinou a sua arte ao sobrinho que levara da casa dos pais, para criar na sua casa. E que era também meu pai ... mais tarde, claro. Muito mais tarde! Ou nun qualquer serão de um tempo anterior à televisão e onde o rádio era também um objecto tão raro que só um ou dois sujeitos mais abastados da freguesia, teriam o aparelho nas suas casas; a tocar um instrumento de cordas que tanto poderia ser uma guitarra ou uma viola, como um banjo ou até mesmo um contrabaixo, visto que, todos esses instrumentos, se encontrarem arrumados no armário embutido na parede do quarto mais pequeno, partilhado por mim e pela minha irmã muitos anos mais tarde. Como deveriam ser animados esses serões!... Existem fotografias antigas que o comprovam, mas não passam disso mesmo; memórias desgastadas p' lo tempo e das quais já ninguém vivo para me falar delas. Dizia-me um amigo entretanto também já falecido, mas que era rapaz à época e se recordava muito bem do ti Firmino, que aquele homem era uma criatura muito à frente do seu tempo e com uma inteligência acima da média. Eu acredito. Gostaria de o ter conhecido, de facto!
Olho para este retrato de alguma irreverência sua, porque ele e aquela ovelha na soleira da porta do curral a imortalizarem o instante, onde, creio, ambos a sorrirem-me ainda que mais de um século depois...

Cleo


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