Crisálida

Data 03/05/2023 16:38:50 | Tópico: Poemas

Os terríveis pássaros gerados pela febre e delírio
Vêm sobrevoar meu rosto a me deformar a visão
Vindos de um espaço negro e sem forma definida
Nutrem-se de meu desespero e crescerão ferozes
Eu deveria saber a par de afogar-me de esperança
Nada nasce do sangue derramado pelas alamedas

No espelho vejo em meus olhos inundados, o verde
Contrasta com rubras molduras que os obscurece
Estou só e a solidão me oprime e rouba meu fôlego
Apertando meu peito e turbando meu pensamento
Estendo as mãos com os dedos abertos em súplica
Mas, nada logro e diante de mim só um grave vazio

As sombras de ausência de quem amei com loucura
São sombras da vida aflita desfilando diante de mim
Passam diante de mim tal u’a caravana de retirantes
Seu andar serpentino, guiado na fúria do abandono
É tudo que ouço no rumor de uma angústia sem fim
Meus temores tomando vulto em futuras cicatrizes

O sol é nada além do vestígio dorido deste calvário
E eu esperei pelo calor, em vão, até soar o telefone
Suas garras, arrancarem a espera querida do sonho
O dia real amanhece frio e cinza qual a dor deve ser
A dor de pedaços de um coração, mudo, semimorto
Em que a morte é a melhor companheira destes dias

As janelas que davam para a vida, já estão fechadas
E a doçura é justo um desenho distante no passado
Sinto-me como se dormisse e sonhasse com uma vida
Em que há gente tão distante, qual os dias de verão
Ou a ternura que apenas se cultiva, mas não se vive
Sei que palavras ficarão cruas nas escadas do tempo

Que este poema atropelado sirva como monumento
De onde, um dia, alguém lendo-o até em baixo verá
Que minha dor, ao que parece sem fim, esteve aqui
Que sirva de adeus qual uma crisálida transparente
Estampada em meu rosto, na pressa de dias antigos
Pois que parti de tanto sofrer, sem olhar para trás



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