
O Sumo Do Fruto
Data 05/06/2023 21:07:09 | Tópico: Poemas
| Relendo os antigos alfarrábios Escritos pelos escribas mais sábios Que cruzavam desertos em cáfila De dromedários asiáticos Lembrei daquele Átila Conquistador huno Que, se dizia, Onde tocavam as patas Do seu cavalo A relva não mais nascia
E, num suspiro profundo, Sorvi o sumo do fruto Reciclei todo embrulho Embaixo de uma figueira E comecei a escrever este monte de besteiras.
Parei no primeiro parágrafo. Ponto. Pronto, dois pontos, pontuei. Pousei a caneta na orelha Direita Levantei os olhos para o teto Namorei uma palavra Pois as outras não estavam no chão Dei nomes feios ao arquiteto Quando percebi bolor e infiltração Contei as aranhas uma a uma Nenhuma cabia na composição Em suma: Parei com a pontuação.
Veio a noite em veludoso manto Eu com as duas mãos no queixo Usando de artifícios, de um pretexto Para um poema que não fosse tanto Que tivesse a forma pequena Que não causasse espanto Mas quem ousa pegar da pena Para entrar neste reino fantástico Necessita ser um pouco de mágico, De palhaço, de profeta e de patife.
Não venha me lançar num esquife Nunca me julgue prepotente Mas tecer um texto muito exige De quem ousa passar pelo portal Onde Cérbero é o constante vigia Onde Virgílio foi, de Dante, o guia Onde Orfeu, o encantador da lira Numa cena que a mim sempre aflige, Por amor, não resistiu e olhou para trás Deixando-a no reino de Hades, no Estige.
Numa das cenas que Homero nunca disse Tampouco o profeta hebreu do longo cajado: Orfeu com o corpo no Rio Hebro jogado... Ainda ouve-se sua voz cantando: Eurídice! Eurídice!
Mas aonde é que eu estava mesmo? Fui escrevendo, escrevendo, a esmo... Como é difícil manter o foco, o rumo! No começo do poema eu não falava de sumo?
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