O TEREZA

Data 05/06/2023 21:30:34 | Tópico: Crónicas

Eu conheci o Tereza ainda na tenra infância – sim, o Tereza, por ser um homem apelidado dessa maneira. O Tereza é uma dessas figuras folclóricas conhecidas por todos os moradores. Há desses em cada cantinho do mundo. O "Maluco!" cujos dedos apontam-se, uns poucos olhares compadecem-se e os narizes empinam-se. Mas do que trata-se a normalidade social senão uma grande máscara? Quantos, e quantas vezes, sufocam-se as individualidades em prol dessa busca vã por aceitação? Além de tudo, há de ser o completo tédio os reflexos absolutos. As diferenças fazem de nós humanos, eis o tempero da existência, já há muito refletido em Sócrates: — a alteridade.

Contudo, a peculiaridade do Tereza não encontrava-se na pecha de doido; todos nós, sem exceção, no ambiente (des)adequado também o somos. Quase nunca sabemos do dito em nossa ausência, afinal. Tereza era extraordinário, digno de atenção, por uma característica: seus passos sempre terminavam interrompidos por ações súbitas e frequentes — desenhava uma cruz ao chão, antes de ajoelhar-se à rua e fazer um tipo de oração. Pouco importava o ponto da cidade à qual se encontrasse, fosse o centro pomposo, às proximidades da Matriz, ou em direção ao bairro do Itapema (onde eu morava) - de certa distância e à época ainda com estradas de areia; os gestos continuavam os mesmos. Sem tirar, nem pôr.

Corria à boca miúda que o fator decisivo para a instabilidade psicológica dele fora a morte da mãe. Nunca interessei-me em confirmar a veracidade do boato, somente sabê-lo saciou a curiosidade infantil. Por muito tempo o seu vulto permaneceu apagado de minha memória. Porém, hoje, ao refletir sobre aspectos da identidade guararemense tomou-me os pensamentos de forma abrupta.

Os traços inesquecíveis de um lugar estão nas cicatrizes das pessoas à viverem nele; não são os normais confessos, os burocratas, os políticos, os nulos que as conservam. Esses jamais! As marcas indeléveis à alma de uma região jazem dos marginalizados.



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