Negrinha do meu coração.

Data 10/05/2008 17:05:30 | Tópico: Contos

Atraquei no teu cais com o coração em cima dos joelhos, cansado mergulhei a boca na areia e deixei-me ficar deitado até adormecer. Fiquei ali não sei quanto tempo até apareceres, negra a meus olhos e aos olhos dos outros também. Vestida de folhas que apenas te tapavam os seios e de uma casca de árvore que te servia de saia, nunca entendi como os nativos conseguem andar mais na moda do que os civilizados. Eu gostei de te ver assim, aliás, gosto de te ver de qualquer maneira.
Estendeste-me a mão enquanto gritavas por ajuda e logo três ou quatro homens vieram, um deles pegou-me ao colo e levou-me ao ombro pela selva dentro, as árvores uniam as suas folhas umas às outras não permitindo ver o azul do céu, o cheiro a mar afastava-se pouco a pouco e quando finalmente o homem parou, taparam-me a cara com um pano negro e eu não vi mais nada que não fosse a tua imagem de pele bravia a bater-me sempre no olhar.
Vivias num povoamento pequeno, cinco ou seis cabanas feitas em madeira e cobertas de ramagens, peles de animais selvagens secavam ao sol em troncos de árvores, havia uma mulher muito velha a atirar uns pós para uma fogueira e muitas crianças à volta dela sentados, observando boquiabertos.
Deitaram-me numa rede e deixaram-me ali ficar, antes de adormecer de novo ainda pude ver o teu sorriso branco acenar-me.
Quando acordei estava escuro, os barulhos da selva chegavam como gritos dados ao eco, sentei-me na rede e procurei com o olhar uma luz, alguém acordado. Ninguém!
Levantei-me e procurei, aqui e ali, tentando não fazer muito barulho, reparei então que na última cabana havia um foco de luz pequenino, fui até lá com o intuito de pedir alguma coisa para comer.
Vi-te então deitada ao lado da vela acesa, os teus cabelos negros ondulados dançavam no chão coberto de sonhos bons que estarias a ter, notava-se através do teu riso.
Fui até ti num passo compassado e em desespero a minha pele tremia pelo desejo de te ter em mim, agachei-me e toquei-te a face, depois beijei-te a boca sequiosa e tu abriste os olhos e empurraste-me contra ti, negrinha do meu coração.


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