O buraco negro das meias brancas

Data 10/01/2025 13:12:59 | Tópico: Crónicas

Filhas-da-puta.
Volto à baila, eu que estava sentado num canto do salão, tão metido comigo mesmo, para descambar num assunto de meias.
Elas são tão meias, que precisam de ser um par para ser uma. E cada meia é uma per si.
As peúgas, como também se podem denominar, são uma peça de vestuário que simula o formato do pé e da perna, ou duma parte desta. São objectos confusos, já que, em vez de serem vestidas sendo vestuário, devem ser calçadas, não sendo calçado.
A sua localização principal, é entre o pé e o calçado propriamente dito. Mas também podem ser encontradas nas lojas e feiras, no chão de casa, no cesto da roupa suja, na máquina de lavar, no estendal, ou, para os mais finos, na máquina de secar. Os menos finos podem lavar no rio ou no tanque, que não o de guerra, essa maldita, cabra, estúpida, sangrenta.
Voltando ao assunto da máquina de secar, resta um último local, quase sagrado para as meias: a gaveta.
E é aqui que o busílis da questão se torna um nome colectivo para o inominável, que pode ser caralho, cú, porco, ou...
A viagem desde o local de secagem até à gaveta.
Mais tarde, ou mais cedo, muitas, ou quase todas as meias, têm, ou ganham (perdem?!) buracos, se forem sujeitas ao excesso de uso.
Se se calçarem uma vez e forem para o lixo, não ficarão esburacadas.
Há vários tipos: o buraco que surge na zona do hálux, o buraco que aparece na zona do calcâneo, até na cana da canela.
Por norma existem duas soluções para estes: a mais antiga, em que se cosia a meia, fechando assim o orifício; a mais recente, que é o lixo.
Há, contudo, um buraco que é mais obscuro, envolvido em mistério, envolto numa bruma que me revolve as entranhas.
Pode acontecer com as peúgas brancas. Totalmente brancas, bastando terem costuras diferentes.
Se forem muitas e de várias cores, está instalado o caos, entramos no inferno de Dante, uma nova Torre de Babel, a Loucura.
Existem pares que desaparecem. Pura e simplesmente. Não as duas duma só vez. Basta ser apenas uma, para não se poder usar a outra.
E ainda por cima, não sabemos qual delas falta. Mas é sempre uma.
Desconhece-se o paradeiro. Isto é: para onde foi?
Os buracos negros no espaço, têm uma força superior a tudo existente e tudo absorvem. Os Homens dedicados à ciência sabem-no bem.
Eu sei que há um lugar para onde vão as meias. Na minha palhota de uma divisão. No meio da mata.
Algures, entre os meus pés, a gaveta, o cesto da roupa, algum pedaço de chão, o estendal, talvez, até, de baixo da caruma, ou junto ao tanque, estão milhares, para não dizer, milhões ou centenas de meias a rirem-se, às minhas custas.
Mas, para elas, vai um aviso:
Mais cedo, ou mais tarde, vão estar a meus pés...


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