
Woody Allen, Poesia Vogon e Outras Coisas Desconexas
Data 05/02/2025 11:10:51 | Tópico: Crónicas
| Li em algum lugar que encontros importantes são o sal da vida. Não me recordo, no entanto, de onde veio essa afirmação certeira. A memória tem dessas: apaga momentos que pareciam inesquecíveis e grava detalhes frívolos com uma precisão fotográfica. Talvez seja sua maneira de nos obrigar a revisitar, com intensidade renovada, cenas que julgávamos irrelevantes.
Foi assim comigo há pouco. Um desses encontros raros, tão preciosos que nos faltam palavras, e tudo ao redor perde a importância, como um fundo desfocado em uma imagem. Não que fosse necessário realçar aqueles olhos – profundos, de mel e fogo – cuja luz não apenas alcança, mas penetra as retinas e balança nossas certezas. Ainda assim, por mais que tente, minha verve poética se dissolve aqui. Confesso, sem constrangimento, minha incapacidade de descrever tamanha beleza.
De tão profundos, os olhos poderiam ser universos, mas o que significaria isso diante da imensidão que eles carregam? Um clichê, no melhor dos casos. Uma distração, no pior. Seriam esses lugares-comuns a porta de entrada para o temível abstracionismo?
No Guia do Mochileiro das Galáxias (Peguem suas toalhas!), há um consenso galáctico: a poesia Vogon é a terceira pior do universo. Perde apenas para a dos Azgodos de Kria e para os versos de Paul Nancy Millstone Jennings, um terráqueo de Greenbridge, Inglaterra. Talvez tenha sido uma pena a Terra ter sido destruída para a construção de um desvio espacial – não restaram poetas piores para contestar o posto de Jennings. Mas, honestamente, sinto que sou um forte candidato ao título.
Já me peguei, inúmeras vezes, acreditando que havia sido tocado pela musa. Lancei mão de tratados retóricos, enfeitei versos com palavras que soavam belas, mas, no fim, careciam de vida. Mel e fogo ecoam em minha mente, aguardando, em vão, que eu lhes dê forma além do trivial. Falta fôlego para a linguagem – incapaz de abarcar o todo. Talvez seja isso: a transcendência, quando verdadeira, é inefável.
Agora me recordo: a frase inicial saiu de um livro chamado Como Woody Allen Pode Mudar Sua Vida. Falava sobre encontros – não apenas entre pessoas, mas entre ficção e realidade. Eis, afinal, o ponto máximo da arte: quando ela ganha vida. Eis, também, o ponto máximo da vida: quando ela alcança a profundidade de um olhar.
Por isso, hoje me sinto vivo como nunca antes. Mesmo sabendo que, como em toda boa história, os desvios são necessários. E, talvez, inevitáveis.
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