
Há um mar onde o tempo não se curva e as margens nunca existiram. Um mar que se nega à cartografia, onde bússolas enlouquecem e astrolábios se dissolvem como açúcar na língua. Nele, um barulho incessante pulsa sob a pele líquida do mundo, um ecossistema costeiro, um monstruoso adorno que respira na cadência das ondas. Eu já fui. E voltei. Retornei com o sal entranhado nos ossos e um olhar que não se esgota. No peito, ainda ressoam os estalos das velas rasgadas pelo vento do indizível. Agora observe, não com a indiferença dos que hesitam à beira do precipício, mas com a sabedoria de quem já se dissolveu e emergiu de volta, não igual, mas outro. Já estive no epicentro do furacão, onde os gritos não encontram eco. Já vi os pássaros partirem sem deixar sombra e senti a pele do oceano se abrir para engolir a luz. Aprendi que o abismo não pede, mas exige. Que não é o corpo que se afunda, mas uma ideia de si. E que, para ir além do além, é preciso primeiro rasgar-se em silêncio, dissolver-se no inaudito. Agora, do outro lado da travessia, vejo os que hesitam na borda do desconhecido, olhos cravados no horizonte como náufragos de terra firme. Perguntem sobre o fundo, sobre as sereias e os monstros, mas nunca sobre o silêncio que tudo engole. Não sabemos que há uma linha onde os nomes se desmancham e só resta a substância crua da existência. Mas o além não se descreve. O além se pressente, se escuta no marulhar das marés, se sente na contração do peito antes da queda. Ele não precisa de testemunhas, mas de cúmplices. E aqueles que nunca partiram talvez nunca entendam. Mas aqueles que já se lançaram, que já se diluíram no oceano sem margens, sabem esses. E, no mais íntimo do olhar, carregam o mesmo segredo: não há volta para quem já tocou o infinito.
Imagem: Paulo Abreu - Brazilian Visual Artist
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