
Dez Sonetos da Guerra na Crimeia parte sete
Data 10/03/2025 22:19:22 | Tópico: Poemas
| 1. porque sim
de todos só não sei da sacanagem e da mesma sacanagem que não sei sou ser vivo e a vivo selvagem, da sacanagem vivo, sou o seu rei
da guerra e do ódio dou viagem viajo acima e abaixo da lei dou Ares de alguém que anda à margem invejo todo esse mal que ignorei
deus não me serve nem outro diabo, temo apenas essa morte certa que levo por todo lado, semeio
os meus deveres são o fim, o cabo que chegam desta mia porta aberta, eu, o sem ódio, só a maldade odeio
2. gatilhos
Acertei um tiro certo no peito, caiu sob o calor duma granada; o raio que fulminou, luz irada, fez a carne em lume brando feito.
Errei no céu, no ar rarefeito, gasta a munição no meio do nada e esses porcos lutam na manada, na lama, nessa merda do seu leito.
Não tenho coração, nem intestino: olhos na mira para os balear, dedo no gatilho, sou infantaria.
Seja mulher-bomba ou menino, todos podem todos os meus matar; vivo já morto nesta porcaria.
3. Arte-lharia
Eu só vos quero de mãos ao alto, indefesos e prontos para morrer; sem porvir, desanimados de ser, decepados, os sem cabeça, asfalto.
De cores negras, rubras vos esmalto nas minas irão todos vós padecer as armadilhas que irei-vos fazer, apodrecer, sofrer, virão de assalto.
O que interessa é que eu respiro; a terra remexida, toda queimada, é um malzinho, uma coisa menor.
Tanque artilheiro, sou eu que miro, antes mosquete, capa e espada, vómito e fezes na estrada em redor.
4. Soneto Baleado
Tudo é dor, é tudo o que tenho que me tinge e atinge no peito, já não sangro, a bala aceito, acolho-a com um ardor estranho.
Duma agudeza, sem fim, eu venho, destroços são meu último leito nos quais, sem escolha, me deito. Perdi a aura, o meu tamanho.
Sou um cordeiro num sacrifício, um monte sujo e desfigurado, apodreço, à espera duma vala.
Foi este o meu estranho ofício, sem, jamais, o ter planeado, ser destino, fatal, duma bala.
5. Oração
À morte grito, às vezes choro, o silêncio é o que responde, é sobre si mesma que se esconde; o brado é onde me demoro.
À morte lamento, às vezes oro, o silêncio vem, não sei donde, e por mais perto que ela ronde, o uivo urge em cada poro.
Cresce a amargura, dia-a-dia, cada verso vem cheio de vazio. Insisto no verbo, não me calo.
Palavras levam-nas a maresia sem mar, oiço silêncios a fio nesta conversa em que só eu falo.
6. Sementeiras
Mãos unidas ali no presbitério, ribombar de bombas no convento; os gritos são o único lamento, um halo triste, dorido, sério.
Sementes só há no cemitério, famílias inteiras escrevem, ao vento, aos entes, poemas, sem um intento. E esse frouxo chamado Rogério.
A natureza vive a vergonha de ter criado o monstro Homem, e o sol, a lua, as estrelas, o mar.
E toda a reza tão enfadonha que vira o mal em favor do bem, também nos salva, virá nos matar.
7. Manual de rendição
Senhor eu não sou digno desse amor, mui menos serei quem o personifica, talvez me torne em quem o explica numa escola sem vida, professor.
Apresento a rendição como penhor e espero a clemência de quem fica. Que, pela força da riqueza mais rica, se tornou um claro e justo vencedor.
Esteja atento a essa má justiça que, por agora, lhe dá a vitória. Levanto os braços perante a morte
sem ser a minha única premissa, talvez o virar desta história. O futuro, ter, do azar, a sorte.
8. Esconderijo
Camuflei-me como um camaleão escondido em vil território, disfarçado de outro simplório. Sou o sem cidade, sou um só vilão.
De arma em riste tenho canhão à distância de um acessório, camuflado de sorriso ilusório, tenho as mil e uma armas dum espião.
A morte crua é a minha cena, do teatro sou um actor e encenador e, deste acto, dito o pior ensaio.
A minha deixa tem forma pequena, deixo a morte ser o apresentador. P'la porta dos fundos, enfim, eu saio.
9. Estará perto?
Entre rixas antigas e metais raros, senhores que fazem negociatas, que não são platinas, ouros, pratas, os pobres, de tão pobres, saem caros.
Apostam as fichas todas, sem reparos, no sangue jovem; reles sociopatas... Metais raros como bairros de latas, memórias, traumas tão baços e claros.
Trampa na trompeta, só arabescos, petróleo e gás entram em todas as contas. Afinal até Chernobyl interessa
e todos os contratos fofos e frescos assinados a sangue e afrontas. Com (des)interesses o fogo cessa.
10. Os sem juiz
Não sei como fechar a parte sete, que poema me chama a clausura, que o pó de terra veda a sepultura que em cada vida se intromete.
Tentei fel e lodo, tudo que infecte e pele cheia de pus, amargura, um nada de luto e dor da mais pura, catanas cirúrgicas como estilete...
Não sei como acabar a sétima parte, em que poço mergulhar, o que fazer... Pareço um louco que o mesmo sempre diz,
sem sentido, sem vertigem, nem arte. Enquanto outros se entretêm a morrer. Os sem juízo, sem culpa, sem juiz.
Estes sonetos foram feitos com a colaboração do meu alter-coiso cheiramázedo, como comentários a outros. A eles o meu muito obrigado, ao outro estúpido, não.
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