MEMÓRIAS DO CUBÍCULO ........................................
o homem nu.
escrevo a essência com minha saliva no chão poento
vejo a maçã o fruto da criação caída inda vermelha apodrecer
por detrás da grade onde a vida acontece.
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desamor.
o amor
é a janela indiscreta onde olho além
todos os sísifos amarem aparentes
e esta fúria crescente faz-me ausente por esquecê-los
riscando na parede desta cela o tempo
o que sinto só sem ter que dividir o que lá fora eu encenava.
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o escuro.
meu cão cego sentia minha presença
o que me via passava por mim tal sombra que se perdia
nem ao menos sabia que o escuro que me encobria
era a alegria de quem queria me sentir e não podia
o outro era a noite o cão, meu dia.
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a cela.
aqui estou livre da prisão plural
uma cama um urinol a porção
o vazio
a fruta podre meu sinônimo meu nome era jerônimo
virei um número que não conta o tempo.
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o futuro.
sansão decadente esquálido calvo
traído pelo destino filósofo de tolices à solidez impalpável
qualquer dalila intocável pisoteando o ouro flertando com anjos negros me levam o sorriso
há um abismo que nem ouso imaginar
estou coxo mas o pior em pensar saltar é saber que ícaro morreu em mim
assim passam os dias
o rato que me fazia companhia vive por instinto em sua toca
ali ele é livre sem a luz solar cumpre sua existência apodrece sem que nem eu tão íntimo possa notar
da janela deste cubículo o sol me entristece.
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memórias.
fantasmas por aí tão livres
aprisionados em minha cabeça
serei um um dia
vivo memorizo-os
mas em sendo um aqui eu me veria?
memórias são gotas que jogo no mar
são palavras que só têm vida se alguém as lê.
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de(z)mandamentos.
os decorei criei uma nova lei
morrendo de ver-me morrer no avesso do avesso do que fui lá fora
e a esta hora
misturo o latim com o hebraico
vejo uma bíblia em branco nas mãos dos fanáticos
que veem o esputinique tal foguete pousar no paraíso
o que eu preciso?
simplesmente fingir no espaço-tempo de minha loucura na verdade que reinvento.
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o fim do começo.
insólito
pintei ninfetas santos masturbadores
pintei o ódio na tela real
cresci em santidade mas na cidade
atolei-me na lama da hipocrisia
precisavam de um mártir para se perdoarem
escolheram um artista altruísta na querência do belo incompreendido
usava o sentido contrário
do eu sou você não no ato mas no pensar-resumo ordinário
meu ateliê é um quadro negro uma sala negra espelhada onde pinto o autorretrato do que fui do que sou
um rosto disforme o frankenstein de cada um
de toques sensíveis catando os estilhaços do quebra-cabeças
desesperado pra me reconstruir
o tic-tac é meu fardo.
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fim da primeira parte. hoje, 28/03/2009, de manhã.
'de tudo e por tudo nunca fui pintor tento escrever.'
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