Olhos de mulher

Data 25/05/2025 17:25:57 | Tópico: Poemas

É presença.

Quando ela olha, não suplica — incide.

Não invade, não pede: decide.

Ninguém passa,

ninguém é permitido.

Aprendeu a ver

no escuro dos dias.

Ali,

seus olhos cresceram antes do corpo,

caíram do colo,

caminharam sós pelas frestas dos silêncios.

A infância não teve onde se esconder.

Esperava —

mas já sem esperança.

Onde havia sonho,

ficaram cicatrizes que agora

medem distâncias com precisão.

Amou demais —

mas fora do campo de visão do outro.

Agora, não pergunta por piedade,

pergunta por verdade.

E quem ousa encará-la

não volta o mesmo.

Seu olhar mostra tudo,

porque vê inteiro.

E o que é visto assim

não se desfaz.

Ela mora nas brechas:

entre o que nunca foi dito

e o que se cala por sabedoria.

Ali, o silêncio

é arte antiga —

feito fio tenso de bordado interrompido

que diz mais que o pano concluído.

Ela sabe calar com elegância crua,

como quem dança no limiar do som.

Se molham os olhos,

não é só dor:

é cansaço,

é raiva,

é o riso que sangra

no exato instante

em que o mundo perdeu o juízo.

Ela viu um brilho —

mas guardou a luz,

com medo da cegueira.

Porque sabe:

o que brilha demais,

às vezes cega antes de aquecer.

Fecha os olhos como quem vira a página

de um livro que se entendeu demais

e já não quer ser relido.

Não é enigma.

É inteireza.

Não pede que a decifrem —

quer quem a sustente,

mesmo muda.

Que permaneça,

mesmo sem legenda.

Alguém que saiba

que seu nome também se escreve

no intervalo entre uma palavra

e o silêncio.


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