
Miacoutar(homenagem a um dos meus escritores preferidos, nos 50 anos da independência de Moçambique)
Data 25/06/2025 07:43:14 | Tópico: Textos -> Surrealistas
| O homem insistia em dizer que me conhecia. Apanhou-me na rua, enquanto caminhava com dois sacos excessivamente pesados nas mãos, e um saco de pano que equilibrava, dificilmente no ombro esquerdo. Apontava-me insistentemente para o rosto, dizendo que as linhas dos maxilares lhe eram familiares. Sentia-me incomodado. Sabia que era parecido comigo mesmo. Quanto muito com o meu falecido pai. O homem das sobrancelhas fartas, que fumava intermitentemente, e morreu um dia, exaurido pelo abandono a que se tinha votado. Se calhar, esta pessoa tinha-o conhecido. Talvez se lembrasse de um par de sobrancelhas que, reconheço, falavam por si próprias. Mas eu nunca o tinha visto. E, agora, acompanhava-me com persistência, rua fora. Tentei ignorá-lo. Mas passou pelos meus sítios de sempre. O quiosque dos jornais, onde o dono estava tão azafamado, que não ligava a nada nem a ninguém. A seguir a peixaria e o talho, em lados opostos da rua. Estavam ali desde que me lembrava, e sentia que iriam continuar muito para além da minha presença física naquele universo. Subi a rua, visivelmente incomodado. A dado momento, o homem perdeu-me o passo. Mas mantinha-me sempre debaixo de olho.
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