O MUNDO DO SR. CON – 2021

Data 22/07/2025 23:30:14 | Tópico: Textos

O MUNDO DO SR. CON – 2021
Con sem compromisso, começou a esboçar o novo projeto literário. A noite avançava a passos de cagados para a madrugada de um novo dia. Não jantou, queria acostumar o estomago e a mente. O alarme do Corolla estacionado em frente a casa do PM disparou e tocou até a chegada de uma moto. Era um entregador de pizza. Con para não aparecer indiscreto fechou a janela. Apanhou “história de Pobres Amantes” do italiano Vasco Pratollini, releu as primeiras páginas, nesses últimos dias vinha relendo vários livros, apesar que ainda tinha seis livros cabaços comprados com a parcela do auxilio emergencial de Papai Bolso.
Decimo-quarto-dia – quinta-feira
Saiu da pensão com o sol bem alto. Dormira mal. Nem sentou-se para ler na praça. Estava atrasado. Seu Raimundo, o baixinho da bicicleta, mesmo com a mão direita inchada encarou a magrela. Pensou em encarar um a pescaria, mas desistiu. Descobriu que um selim quebrou uma peça. Ficou zangado com Con por este não ter as chaves para desparafusar o selim. Agoniado foi em casa e trouxe uma, e assim Con fez a solda necessária, ganhando 16 reais. Beleza. Gasparetto deu-lhe um vale de cinquenta reais. Então o diabo virou moleque.
No dia seguinte Dr. Smith deu-lhe meio litro de um uísque, um tal de Blach-street Honey e dai o homem resolveu feriar....
No sábado, o carroceirinho veio buscar as grades de Janos e o poeta já mordia uma lata, pediu emprestado cinco reais para Gordinho e subiu o morro. Pegou umas latas no credito na Jurema e saiu a charlar.... No final da manhã, o ápice final, Janos lhe pagou o restante – duzentos mil-réis – Ai meu irmão, não deu pra ninguém, o homem explodiu – deixou noventa com a senhora Vince e voltou para o mercado e se chapou na boa, emendando até a noite – acordou hoje ruinzão, o estomago naquele estado – mas ainda tinha vinte reais – Mas como todo bom fulero mordeu umas quatro latinhas que seu cumpadre lhe pagou.... amanhã será outro dia....

Decimo-oitavo dia - segunda-feira
Cães vadios extenuados pela noite insone vagando pelas ruas lúgubres da vila Embratel., descansavam merecidamente deitados na larga calçada do Valdecir, onde o poeta comprara um litrinho de agua mineral com gás e desceu para oficina. O céu nublado e abafado. Fraco, tremulo e suarento, qualquer pequeno esforço físico o cansava.
Para acompanha-lo naquela insipida manhã de segunda-feira, levava “Plexus” de Henry Miller, escritor nova yorkino, nascido e criado no Brooklin, autor do clássico “Tropico de Câncer” publicado em 1934 em Paris e por muito tempo proibido nos Estados Unidos. Con era fã incondicional dele e tornou-se seu discípulo. Teve o livro “Tuberculose” aceito por uma editora mineira, assinou o contrato, meses depois ela faliu. Decepcionado, resolveu não publicar mais nada.. mas continuaria a manter o seu inseparável diário. Fazia uns bicos na oficina pela manhã não queria mais encarar grandes encomendas e nem nada de responsabilidades. Levava uma vida de poeta errante, perambulando a esmo pelas vielas do mercado, tentando reavivar a sua ferve poética, sempre com uma latinha de Glacil como companhia. Ferrando uns e outros para inteira-la. Talvez o bom e velho mestre Miller o incentivasse a voltar aos seus sonhos de adolescente. Certa vez comentei a esse respeito:
- Vá se foder, o meu tempo já passou, se quando eu era mais novo não decolei, agora que sou um velho decrepito que vou? Não meu amigo, as ilusões já foram perdidas.

Finalmente almoçou um bom cozidão de uritinga com o caldo bem grosso, três dias que não comia nada, só enchendo a cara. Pobre homem sem fé em si mesmo -Incitado por Miller resolveu correr a vista em “Tonio Kroeger” do mestre alemão Thomas Mann. O que ainda fazia viver era a literatura, quando não estava nas águas deliciava-se com os clássicos que tanto amava. As vezes pensava que viraria um Dom Quixote moderno pirado de tanto ler. Quem sabe um dia os ventos mudassem de rumo e ele de pensamento.....

Com muito esforço e bota esforço nisso, serrou as seis pontas das cantoneiras do portão chapeado das irmãzinhas. Esbaforido, banhado de suor, destilava como uma chaleira. Esse lhe tirava de tempo, eram tantas as preocupações negativas – uma hora achava que as cantoneiras eram muitas estreitas e que a estrutura ficaria muito a desejar, tinha também a chapa que prometera botar inteira, mas infelizmente tivera que cortar em três secções. O que poderia acarretar a aborrecimento ao dono e assim uma carreta de problemas aflorava na sua frágil mente. Ainda na pensão na cabeça a beleza musical da icônica banda cubana “Buenas Vistas Social Club. Eram uns simpáticos senhores músicos de Havana que encantam o mundo.
Depois da tarefa, agora era sombra e água fresca – pensou quando após beber o substancioso café com leite e pão que apanhava todos as manhãs na casa do amigo Gordinho, mudou de farda aboletou-se confortavelmente na velha cadeira abacial para reler “O Planeta do Sr. Sammler” do grande Saul Below. Mas aos poucos foram chegando os habitués para conversar e tirar-lhe a concentração da preciosa leitura e assim com aportaram partiram silenciosamente como aves de arribação. Então finalmente poderia relaxar e fazer o que mais gostava – ler e viajar por cidades que nunca visitaria. Dessa vez é Manhattan, o bairro central de Nova York onde mora senhor Sammler, um judeu polaco, inglês por adoção, viúvo que perdera a mulher na Polonia em 1940. Um excelente livro que comprara em setembro no sebo Paço Prosa, no bairro da Praia Grande(Projeto reviver) com a primeira parcela de 600 reais do auxílio emergencial – Oh! Doce saudade.
Ao meio-dia sentado na calçada do Adolescento na rua 16, na lateral direita do mercado, debaixo de um vistoso Ipé-Rosa. O compadre pagou-lhe duas latas de Glacial – as funcionarias das lojas Maycar despediam-se efusivamente como alegres colegiais – Seu Manuel genro do finado Manoel dos Fogões sentado a porta do estabelecimento herdado pela esposa atendia uma bela cliente de pernas grossas. Secou a lata e entrou no mercado. Os boxes todos fechados, Seu Lucas, o peixeiro arrumava suas tralhas sobre o tabuleiro azulejado, observado pelo decano colega e vizinho Seu Berrete que ouvia o radio sentado num banco alto de madeira – O irônico camaroeiro Seu Lucas ensacava seus produtos para guarda-los num pequeno deposito algumas quadras adiante. Com uma latinha na sacola Con rumou para a pensão. Almoçou um macarrão frio, torta de frango. Enfim uma pequena siesta. Os pedreiros continuavam na labuta. Desta vez no quarto de Caçulinha e depois no do casal. Um marceneiro montava um armário recém-adquirido. Os cães agoniados presos na sala de computador. E Con relia deitado nos seus humildes aposentos um em livro francês “Je reste um barbare” de Roger Boutefeu... C’est la vie d’un poète.


- Sabe como é, preciso zelar e preservar a minha imagem perante o público – arrematou solenemente e ofereceu-me uma lata, que aceitei de bom grado e assim paz voltou entre nós.
Assim é o velho Con, desconfiava que sofresse de transtorno bipolar devido ao consumo excessivo de álcool. Aguas passadas
A bela e donzela filha do sapateiro, com seu belo calipígio dançando num vestido, uma visão magnificantemente extasiante para os olhos cansados e mortos de um poeta celibatário. O pirado do Frank Puro todo entonado: quepe preto, mascara branca, camiseta negra, bermuda jeans rasgada mecanicamente como a dos cantores de rock e filhinhos de papai e um vistoso tênis azul. Diziam que pirou em Porto Alegre depois que papou um frango de despacho que encontrou de bobeira numa avenida qualquer. Dona Bilu, uma baixinha morena apetitosa e micro fazendeira do Monte das Oliveiras veio procurar pelo ferro de marcar gado. Con o prometeu para sábado. O aceno da simpática e jovem empresária que queria comprar a oficina para montar uma boutique e seu apartamento.
Con encantado com a prosa verborrágica do mestre Saul Bellow em “Planeta do Sr. Sammler”, prêmio Nobel de literatura de 1976 – escritor de origem judia, muito bom. Gostaria de ler a sua obra-prima “Herzog” de 1964.
A cerimonia de posse de Biden numa Washington sitiada com a presença de ex-presidentes deixou Con emocionado que secou o litro de vinho da senhora Vince. Ele era assim gostava dessas pomposidades desses eventos – casamentos reais e etc e tal – e um temporal tropical desabou sobre a Vila Embratel, obrigando-o a desligar a televisão e refugiar-se no seu aconchegante aposento ao lado de seus amados livros. Os olhos umedecidos adormeceu



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