
Diários de uma existência – Desterro – 1985
Data 01/08/2025 20:22:04 | Tópico: Textos
| Diários de uma existência – Desterro – 1985 Terça-feira, 21 de maio de 85 Dias de sufoco, fui em cana em Alcantara (09.05), quase respondia a um processo por porte de maconha, agora terei que maneirara, dançar pela segunda vez é rabo de foguete. Estou em desigualdade com os meus familiares, tornei-me o super vilão, a ovelha negra. Vou tentar me regenerar. Quarta-feira, 22 de maio de 85 Tenho que buscar a liberdade de expressão, isto é, escrever o que realmente sinto em relação aos fatos. As vezes o estilo de agradar aos que poderão ler este ignóbil manuscrito, me leva a uma exaustão de busca de palavras bonitas. Mesmo assim, no íntimo o meu vocabulário e a temacidade estão muito aquém daquilo que realmente escrevo. Busco a homogeneidade das coisas. Mas a procura de um aperfeiçoamento, acaba estragando toda uma linearidade temática. Esse academicismo é foda! Quinta-feira, 23.05.85 Vou tentar projetar objetos para fumar ‘lera’. Sexta-feira, 24 de maio Conversei com papai sobre o triste episódio ocorrido domingo em Alcantara, quando fui preso e espancado por porte de ‘diamba’. Devido ao nosso dialogo amistoso, tenho, mas que renunciar ao uso dela. Se possível abandonar todos os meus vícios, até adquirir um certo status dentro desta sociedade hipócrita. Não quero envergonhar o meu amado pai. Se um dia haver uma desavença entre nós, espero que a mão de Deus esteja presente para amainar os nossos corações. Ele é o meu único amigo e, é a última pessoa que gosto e confio neste mundo de aparências. Senhor Deus permita vós que isto nunca aconteça (se acontecer é porque está traçado). É o destino. Duas prisões em menos de dois anos, uma injusta e a outra vergonhosa perante o conceito deles. As vezes vejo-me numa encruzilhada, onde nenhum dos caminhos leva a lugar algum. Sabado, 25 Por mais que eu tente, serei sempre essa luz apagada. O que me irrita é que sei que posso contornar e acender. Em mim existe forças antagônicas que possivelmente levaram-me a loucura. Um homem que sabe a verdade e não segue é um louco. Um errante crônico é pior que os pseudo-psicopatas. Sabe que vai morrer, mas continua bater na tecla errada. Já não sei o que é puro ou bom – Será que estou passando por uma provação espiritual? As vezes vejo-me no inferno e no céu, para onde o pendulo vai, para o certo ou para o errado? Deus (ai eu talvez saiba) no fundo acho que somente ele conhece. Meia-noite num porre bolistico, talvez acabe dormindo de tão chapado que estou de Optalidon@. Diacho! Nunca serei um escritor, repito palavras q porra. Alcantara, cidade proibida, valeu passar o que passei, melhor lá do que aqui. Ainda vem coisas piores por ai, tenho que tomar cuidado para não infringi a lei, já basta essas das passagens pelas delegacias. Será que serei alguém dentro da sociedade de consumo? Poeta sei que não dá mais, romancista pior ainda, ferreiro nem se fala. Começo aparecer uma vontade de mata uma ‘bia’ que guardei, valerá a pena? Estou vacilando.. bêbado de cafeína, louco de mais. Segunda, 26 Uma ressaca e muita indisposição para escrever. Quarta-feira, 27 Reflexões sobre o ocaso. De um lado a vegetativa vida que ultimamente levo, acordo, trabalho na oficina durante o dia e no final da tarde ingiro dez ‘dondons’ e a noite jogo dominó com os parceiros do canto. Tento digeri Henry Miller “Tropico de Capricórnio” – ainda não ultrapassei dez páginas. Adquiri os Irmãos Villas Boas “Índios do Xingu” e a “Vênus Platinada ou a intima vida de um símbolo sexual”, pensei que fosse Marylin Monroe, mas é sobre Jean Harlow. Li mais duas páginas de Miller, é maravilhoso, gosto de seu estilo. Um gênio comparável a Oswald de Andrade em “Serafim Ponte Preta” e “Memorais Sentimentais de João Miramar. 30 de maio de 85 Comprei duas peças raras, a revista Veja, histórica sobre o enterro de Tancredo e o livro “Quarto de Despejo” escrito por uma favelada Carolina de Jesus, agora poderei parar na aquisição de livros e revistas. Já tenho bastante. Terminar “Xingu”, depois Henri Miller e mais a “Venus Platinada” e por ultimo a Carolina. Percebi que perco a maneira correta de narrar, não sei por quê? Será devido as ‘dondons’? Vou dormir, hoje não sei o que há comigo, tinha tanta coisa a escrever, mas quando começo as palavras desaparecem. A síndrome do jovem calouro literário. 31 de maio 24 sinos badalam em mim, que o Senhor me proteja do álcool e do vacilo, hoje não fumei ‘lera’, mas em consequência abusei das ‘dondons’ (optalidons@)
JUNHO
|
|