
Outubro de 91 Terça-feira, 08 de outubro
Data 20/08/2025 19:47:40 | Tópico: Textos
| Outubro de 91 Terça-feira, 08 de outubro de 1991 Todos chamam de “Porta Larga”, um pequeno puteiro escondido na Rua Afonso Pena. Somente os aficionados o conhecem. Uns engraxates, esses menores que perambulam de bar em bar com uma caixa, em busca de algum mané que mande engraxar os seus surrados sapatos. Olharam para os meus pés e depararam com sapatilhas de pano made in china – Um ventilador de teto ameniza o calor abafado do final de tarde e uma caixa sorumbática de som pendurada na parede. Mulheres de todos os feitios desfilam entres as poucas mesas. O Casio registra 17:10 – sorvo uma gelada acompanhada por um duro pastel folheado que comprei na lanchonete do canto. Uma figura esquisita de una mujer atravessa o salão oferecendo seus préstimos, tenta me seduzir a acompanha-la. Dar o preço, mas penso na minha Van que me espera na lojinha. As canções bregas. Ainda pouco torturei-me ao entrar no meu templo (A livraria) – Encontrei-o quase que por acaso, adormecido como um leão, entre as feras repousava um grande Hemingway, entristecido sai com as mãos abanando. Leio a continuação do romance de Pearl S. Buck “A Boa Terra” – os filhos de Wang Lung, uma viagem a desconhecida China do século XIX. Tento encher o copo pela ultima vez, o pastel devorado e hora de sair fora. Domingo, outubro de 1991 Uma manhã rotineira com todos os domingos, enclausuro-me nos meus domínios e consagradamente tento recompor-me na árdua tarefa de escrever. Ontem comecei a ler Miller, “Sexus” que surrupiei da coleção de professor na minha ultima visita a Casa Senhorial do Cohatrac, aproveitei que todos dormiam. Fumo tranquilamente um ‘baseado’, enquanto pensava na hipocrisia de nossos ilustres governantes, todos demagogos. A torneira enche o tanque no quintal. Além muro murmúrios dos obstinados jogadores de sinuca no boteco de Walters’s. Bebi três doses regulares de um preparado etílico composto de maçã, uva, pedaço de cana, abacaxi e a pura. Segundo a minha amada Dona Van estarei fadado a seguir o rumo dos pés inchados. Estamos em duvida quanto o tempo, o ceu fecha-se num plúmbeo encabuloso, ventos rasantes farfalham as folhas do nosso coqueiro, o fiel F1340 da Philips executa a tradicional musica africana dos domingos do programa Brasil/Africa/Caribe da Universidade FM. A ‘muca’ findou-se, resta-me apenas o cemitério das ‘bias’ numa caixa de fosforo cheio delas.. Forçosamente obrigado a mudar de lugar e de som. Na cozinha a branca prepara o almoço dominical regada a cerveja. Vou para o quintal, acender a churrasqueira para assar umas bistecas. Coloco Chitãozinho e Chororô para criar o clima romântico para pós almoço. Acompanho Van na cerveja, temos umas cinco na geladeira. Os pingos aumentam intensivamente, abrigo-me debaixo do telheiro – e o carvão aos poucos vai ficando vermelho. O sol vacila entre as nuvens, o som afro e Marley da o tom em “Its Love”. Dona Van sensual prepara a salada e eu grelho as bistecas. Uma tarde de amor nos espera.
Segunda, 21 de outubro de 1991 18:10 de uma noite que chega sem mita novidade, a televisão ligada num enfadonho noticiário local. Os ventos açoitam penosamente as folhas do coqueiro. Espero quase sem esperança a chegada da “chila”, mandei um chegado apanha-la. Ele se ofereceu para ir na captura dela, estava de bobeira na sinuca de seu Walter’s, chamei-o discretamente para informar-me onde eu poderia descolar um ‘dolar’. Comprei mais meio litro de pinga e coloquei no preparado, descasquei um coco do meu próprio coqueiro, aproveitei a deliciosa agua e pus no litro e guardei no congelador. Terminei Pearl, mas confesso que não gostei porque não há conclusão, a estória continua em outro volume e sabe Deus quando o encontrarei. Um estranho assovio, colocou-me em alerta e corri até o portão, era o esperado mensageiro, infelizmente não encontrou nada e caminhou além da fronteira. A vizinha gostosa da frente, sentada tradicionalmente na sua cadeira de cano preto e plástico vermelho curiava atentamente a chegada do mensageiro, mandei-o entrar, falou rapidamente da infrutífera incursão e devolveu-me o dinheiro. Despachei-o sutilmente e voltei aos meus afazeres domésticos. Domingo passado, quando encontrava-me no Cohatrac na sala dos Bambas a namorar os livros de bolsos enfileirados na estante do Prof. Eusabio, para minha surpresa deparei-me com o grande mestre Henry Miller e de imediato tratei de surrupia-lo, enquanto Mama Bamba cochilava sentada candidamente na sua cadeira de balanço no canto da sala, próximo a porta. Era uma e meia da tarde, todos descansavam em seus devidos lugares. Papa Bamba na sua imaculada rede branca no quarto dele. Dadá na sua espaçosa cama de casal no aposento da frente e os meus adoráveis sobrinhos forçosamente deitados. Terça-feira, outubro 07:10 – Tempo nublado com serias ameaças de chuvas. Dona Van limpa impacientemente as panelas e tenta inutilmente desentupir a pia da cozinha. A torneira do tanque jorra a todo vapor o precioso liquido. O cachorro do vizinho do lado late, o motorista de ônibus acelera o motor para aquece-lo. A churrasqueira de pernas pro ar. O ultimo ‘basy’ das reservas está enrolado. Tento desesperadamente trabalhar num conto intitulado “O Entardecer de Uma Alma”, conta os últimos dias de um poeta, prostado num quarto a espera da morte, tendo como visita apenas a irmã mais velha e um vizinho. Escrevi a primeira versão, tentei a segunda e espero conclui-lo para enfim datilografa-lo. Ding, o cãozinho negro que criamos morde seus piolhos. 17:25 – marca o barulhento Casio. Lia ainda a pouco o dinamite Henry Miller, depois de duas tentativas inúteis de chegar a algum lugar. Antes das dezessete, sai alegremente para explorar o local. Segui por uma estrada não asfaltada até perto de uma cancela. Entrei e caminhei uns dez minutos na mais completa solidão, observando a mata nativa até esbarrar num descampado estranho com uma enorme placa: ‘AREA VIGIADA PELA TIMBIRA’ mas embaixo “Proibida entrada de pessoas estranhas” – hesitei em ultrapassa-la, observei atentamente o local, buscava encontrar o famoso “Sitio do Físico”. Além da mata de coqueiro e babaçus, o rio Bacanga ao longe, fiquei com medo de continuar. Poderia levar um tiro de um segurança esquizofrênico, titubei em segui uns fios nos toscos postes de madeira. Uma outra porteira bloqueava a estrada. Chateado retornei pelo mesmo caminho até a via principal. Ainda era cedo, outro portão impedindo. Perto da ultima e solitária casa, dormia na sombra um cão, passei bem devagar, para não desperta-lo e assim ser atacado por ele. Quinta-feira, 16:27 de uma tarde entre ferros que te quero ferros velhos Quase uma semana depois em outubro de 91. Um jogo da seleção e muito rock. Segunda feira passada, assisti depois de muita ansiedade, o primeiro show de meu mestre Joãozinho Ribeiro no Teatro Praia Grande, no Odilo. A Ansiedade começou desde o primeiro contacto, através do jornal, num domingo rotineiro dos domingos caseiros. Lia em paz comigo mesmo o Estado do Maranhão. Lembro-me estava sentado na cadeira de cano entre o coqueiro e o pé de limão, atrás do de caju que começa a florir. Apertei um basy para me harmonizar com o universo circundante, minha amada Van lavava suavemente as nossas vestes, quando na segunda pagina do caderno B ou melhor Alternativo – na agenda de show: “Show de Joãozinho Ribeiro e banda no Teatro Praia Grande no projeto alternativo” – meu coração disparou, my god, ele estava ali, em letras impressas convidando-nos para o seu tão sonhado show. Alegrei-me com há muito não me sentia. Comentei com minha querida e expliquei-lhe a importância desse evento e que faria de tudo para conseguir os ingresos. Ela insinuou, caso não conseguisse eles? Fui fulminante e antes que ela percebesse a importância da coisa, disse-lhe que iria de qualquer jeito e olhei a data “28/10 – 19:00 – TEATRO PRAIA GRANDE” e comecei uma lenta contagem regressiva, ainda restava duas semanas para correr atrás. Domingo quando abro novamente na mesma pagina, bem abaixo na seção de shows, o retrato dele, poeticamente sentado sobre a FLOR com o violão, tendo como fundo a antiga Praia do Desterro e o rio Bacanga. O poeta alcançará o seu apogeu e esse sonho se realizarão – pensei. Voltei ao passado e resgatei velhos e bons momentos passados juntos. Eu e o então Joãozinho, filho de Dona Mariquinha. O moleque João Pirata, o violinista de mão cheia, o irmão de Sebá. O menino prodígio que o bairro ungiu – Ali estávamos caminhando nas tardes de quinta-feira pelas ruas poéticas e decadentes da Praia Grande. Nunca esqueço as aulas de violão ao meu irmão mais velho, depois a experiencia de fazermos um projetor de desenho, um cinema alternativo com desenhos feitos sobre pequenas bobinas de papel de maquina de calcular que projetávamos simplesmente na parede do sótão sobre o comercio do velho Bamba. Ainda cobrávamos os ingressos. – O velho John, o primeiro leitor e critico dos meus idiotas primeiros poemas tolos. Ardoroso literário que certa vez me aconselhou a ler um bom conto de Hemingway a ver filmes imbecis como “King Kong” original. Emprestou-me os primeiro livros de poesias de autores da terra, o “Idiota” de Dostoievski, selecionou os vinte melhores poemas que escrevi em 1977 – Emprestou-me também os Lps de Chico Buarque,, Milton Nascimento, Aldir Blanc e João Bosco, fez-me a minha cabeça. Agora estava ali na foto convidando-nos par seu primeiro show. Na segunda feira fui a casa grande dos Carvalhos e ao mirante dela ferrar os ingressos com seu primo Toinho e assim marquei presença.
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