Quem Matou Salomas Salinas? - V

Data 06/09/2025 19:26:03 | Tópico: Textos

4

O cemitério do Gavião e a sua paz eterna de seus silenciosos túmulos e belos mausoléus das famílias abastadas de sua alameda com o final na capela simples. Os coveiros em pé e outros sentados num banco de concreto na lateral, ansiosos pela talvez ultima tarefa do dia. Os burocratas em suas roupas fubazentas consultavam o grande livro de registro em pé no balcão.
Avistei um grupo de conhecidos bem vestidos e uniformes, eram os carcamanos (os irmãos libaneses das farmácias). Semblantes carregados, olhavam tristemente para o chão, perdidos em suas profundas reflexões fúnebres, aproximei-me deles devagar como se não quisesse nada e os cumprimentei com um aceno sutil e um oi bem baixinho.
- Foi Salomas mesmo? – Perguntei idiotamente meio sem graça.
Todos com os narizes e olhos mourejados e vermelhos confirmaram silenciosamente com o balançar positivamente das cabeças.
Afastei-me devagar e disfarçadamente na direção de Karl que contemplava uma lapide de um belo tumulo com a estátua de um anjo em mármore. Pronto confirmado. Era ele mesmo e a qualquer momento o carro fúnebre entraria pelo portão a nossa frente. Demos mais alguns passos e ficamos próximo a entrada da capela. Outros conhecidos foram chegando circunspectos, todos com as mesmas duvidas estampadas nos rostos fragilizados pela dor e abatido por essa perda inesperada, uns até choravam e lamentavam:
- Agora estamos órfãos! – Dramatizou o escritor cearense Silvio Amaro Hollanda, autor de “Cavaleiro da Gota Serena” velho parceiro das rodas de fumo nos finais de tarde no espaçoso quintal dele, quando nos reuníamos para ‘puxar’ um bom ‘beck’ e relaxarmos falando amenidades.
- Aonde vamos nos encontrar? – falou angustiado o negão da agencia de propaganda colega de trabalho do escritor e da viúva.
- Salomas era doidão – disse o office-boy – todos nós o admirávamos muito. Um cara bacana.

- Olha meu grande – Apontou para as grandes tubulões de aço que vinham de uma draga no meio da Baia de São Marcos e despejava as areias na orla do aterro do anel viário – Aquilo, seu Raimundo é uma junta homocinética.
Era meio-dia de um domingo de sol em 1989. O sol a pino, as pessoas deitadas bronzeando-se, outros jogando frescobol na pequena faixa de areia formada pelo aterro que vinha da croa distante.
- Lá está Dona Encrenca e uma amiga do trabalho dela lá da agencia – Virou-se para mim – Sió, a amiga é uma morena muito gostosa – E gargalhou e tranquilamente puxou do bolso da camisa um ‘baseado’ pronto para o consumo e o acendeu sem muita cerimonia e o saboreamos furtivamente acompanhando o meio fio da avenida e passarmos despercebidos.
Na outra margem do Rio Bacanga, as palmeiras, o cais e as ruinas do palacete da lendária Ana Jansen. O manguezal exuberante dominando todo o local, o Tamancão e a Ponta do Bomfim, o ex-leprosario da cidade. As nossas costas a selvageria urbana da província. O barulho dos veículos, a velha usina da Oleama, a chaminé no fundo da Ullen – Cemar e o Convento das Mercês a imponente construção do século XVII, onde funcionou por vários anos o Comando geral da Policia Militar.
- Sió, a barriga da mulher está crescendo e logo, logo nascerá mais um judeuzinho no mundo – Disse-me todo orgulhoso como todo futuro papai. Nesse tempo ainda não conhecia Dona Van, a grande dama da minha existência.





Este texto vem de Luso-Poemas
https://www.luso-poemas.net

Pode visualizá-lo seguindo este link:
https://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=380320