Experiencias datilograficas

Data 14/09/2025 12:49:50 | Tópico: Textos

EXPERIENCIAS DATILOGRAFICAS
Como começar uma história que nunca tinha fim. Na verdade, eu penso seriamente nesse audacioso projeto, mas para isso precisava de uma boa máquina de datilografar – queria consertar a minha antiga, mas a letra a persistia em ser ilegível e isso deixa-me louco e desanimado – sempre gostei de datilografar os meus textos, desde 1977, com uma Olivetti Lettera do meu velho pai Bamba a usava esporadicamente para datilografar suas cartas comerciais e os recibos de seu comercio. Uma gata sacana aproxima-se das folhas de papeis ao lado da minha cadeira, com certeza pretende urinar neles, como gosta de fazer nos meus sagrados livros. Não entendo por que a letra A ficou quase invisível, enquanto as outras letras aparecem numa boa - Eu preciso dela. Agora sou acuado por três gatas que furtivamente me cercam com se eu fosse um ratinho indefeso. O ceu nublado, o sol não deu as caras e isso começa a preocupar o senhorio – é dia de agua ou seja de encher as caixas e os baldes – agora é a letra Z – não desisto quero escrever – Jean G. cobrou-me um dia deste, no passado fizemos uma parceria que resultou no livro “Vila Embratel- Praça Sete Palmeiras – eu o datilografei e ele digitou.
- E ai poeta quando teremos outro trabalhinho? – perguntou-me, ele gostou da experiencia participativa, também fotografou a capa.
- Muito bem, chefe é o que faremos, preciso tomar algumas providencias.
- Deixo ao seu critério, você deve saber o que providencia tomar afinal foi usted que bolou o plano. Então vamos em frente.
Mas eu não ouvia, meus olhos e a concentração estavam em outro lado. Pensava no ultimo livro que li do Dashiel Hammett “A ceia dos acusados” que comprei na banca da loura e lembrei-me do primeiro que gostei “Continental Up” que peguei emprestado na Biblioteca Publica de Deodoro no final de 2023 – antes da cirurgia de catarata no meu olho esquerdo.
Outro escritor policial que gosto muito é o Raymond Chandler e o seu espetacular detetive particular Philip Marlowe sempre desvendando os crimes mais cabulosos da louca Los Angeles dos anos 30 – li vários livros desse genial autor todos também emprestados da biblioteca. Dashiel Hammet foi companheiro intimo da grande dramaturga Lilian Hellman – Eta! Mulher porreta.
A velha e boa maquina, como a amo e ainda teremos muitas histórias a datilografar pela frente – você não está tão ruim como eu pensava, o único problema é a porra louca da letra A – Mandá-lo-ei consertar e assim voltar a utiliza-la com garra. É mais poético, podem acreditar, nada de esperar para ser impresso.

Estamos no período da estiagem e tudo transcorre normalmente. Apesar que ainda não fez sol, tudo nublado, ameaçando cair uma chuva. Agendei os exames de sangue pedido pela doutorazinha Elisabeth do posto – tento cuidar da minha parca saúde, cada dia mais debilitado. Talvez próstata? Tenho que abastecer-me de papel comprando uma resma para os meus projetos futuros. Ainda não me acostumei a escrever diretamente na maquina como fazia os grandes mestres Miller, Hemingway (datilografava em pé), Lispector e outros. Começo escrevendo no papel almaço e depois datilografo – funciona bem – uma troca de sinergia -procurei nos dicionários a palavra “vestuto” e não a encontrei – então descubro tardiamente que a escrevi errado é “vetusto” – Olá, poeta presta atenção, fulero! Por enquanto vou enchendo linguiça. Outra fera era a grande dama das telenovelas das oito da Globo Janete Clair – ela datilografava 120 laudas por dia.
Tenho que exercitar-me para desenferrujar. Henry Miller tinha uma cota diária de tantas folhas por dia, quando escrevia “Tropico de Câncer” em Paris dos anos 30 – passando um perrengue dos diabos, mas nunca desistiu. Adoro-o – Emprestei “Recordações da Casa dos Mortos” do meu amado guru russo Dostoievski para o meu assessor Yago Cadete, agente cultural, que gravou uma entrevista comigo para a serie “Vozes da Quebrada” – em três semanas teve trezentas e poucas curtidas.
“Deturparam a tua paz
Madeira é serrada dia-a-dia
Os tecelões tecem o tempo
A vida passa
Sem bater o ponto final” – com esse singelo poema que abri a entrevista – foi uma revigoração para a minha combalida alma de poeta, eu tava caidaçõ e sem esperança, quando um belo dia esse rapaz adenrou na oficina, deixou um folheto e falou que apareceria depois para entrevistar-me e auxiliar-me a entrar no circuito cultural como mestre. Aleluia! Cara, foi um banho de agua fria na fervura da minha amargura. A coisa tá rolando e vamos ver no que vai dar – olhei na internet uma bacana no Diamante que conserta maquinas de escrever – talvez essa seja a solução, mas com esses grodes loucos que vem me acabrunhando.
Não quero desfazer-me de ti, velha companheira, ainda temos um longo caminho a percorrer – aos poucos vou chegar aonde almejo, basta lutar contra esse vicio maligno que me tira de tempo, me alisa e me joga nas calçadas literalmente. Um cheiro de um bom cozido emana da panela de pressão que chia como uma velha locomotiva a vapor.
Primeira a saude. Um sol tímido e abafado. The fevers – Ninguém vive sem amor” – estou a mais de vinte anos sem um – será que ainda encontro minha cara metade para aguentar-me?
- Tem algum liso ai para vim buscar o dinheiro para fazer o jogo? – pergunta o Sr. Vince para um parceiro do mercado, muito seu ‘amigo’.
Os gatos urinaram nos papeis alguns anos atrás, então querem repetir. Usando a criatividade – coloco a letra A com uma caneta preta e fica maravilhoso. Estou na minha e sei que no momento certo escreverei o que tenho de escrever. Tudo tem seu tempo. Talvez essas doenças me levem para a minha redenção literária. É preciso muito tato. Com foi gostoso redescobrir o prazer de datilografar sem compromisso. Escrevendo asneiras que vem de repente, minha ciática doi.





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