1985 - julho - Desterro

Data 16/09/2025 19:58:28 | Tópico: Textos

Julho
Segunda-feira, 01 de julho de 1985
Detesto euforias – futuro sem brilho.
Quarta-feira, 03 de julho
Balanço: Faturei 258 mil cruzeiros e a vida continua. Assisti ontem “Quilombos” de Cacá Diegues.
22:35 – Preguiça de escrever, irei ler Disney.
05.07 – Sexta-feira.
Prenuncio de viagem a Pinheiro. Dondons depositados. Situação nebulosa com perigo a vista. Contornos sombrios por todos os lados. Alerta. Expectativa – Grilo. Como transportar as ‘dondons’ sem despertar suspeitas. O cerco problemático continua. Serão 40 levas afrodisíacas mentais. Engraçado, quando estou normal tenho a impressão que meus músculos estão maiores e quando fico naquela, eles ficam oposto. E não é só isso, tem mais coisas engraçadas.
06.07 – Sabado
Talvez a essa hora estarei em Pinheiro. Pessimismo.
09.07 – Terça-feira
Nada melhor do que a volta ao lar.
10.07 – Quarta-feira
Cansado e indisposto.
11.07 – Quinta-feira
O frio domina a noite. Amanhã um servicinho chato, consertar ou melhor emendar um portão. Pinheiro foi maravilhoso, fumei ‘lera’ vontade e muita vitamina principalmente na volta, ao total forma 50. Valeu. Agora é encarar o trabalho e pensar no futuro. Robert está empregado na loja de artesanato, segundo ele é apenas para levantar uma grana firme e depois volta ao front. Obrigado Senhor por me conceder mais um dia e ajude-me a tirar as maldades do meu pensamento, principalmente o fator vingança. Se caso for prefiro ser o bode expiatório. Obrigado mais uma vez.
13.07 – Sabado
15:50 – 12 já foram, espero que nada mais saia errado, as patrulhas vigiam a caverna da visão. Todo cuidado é pouco, assim caio nas armadilhas postas por mim.
24:30 – Mais de 12 fizeram o resto. Leio o livro interessante sobre o poeta negro americano Paul Laurence Dunbar, é um exemplo que eu deveria seguir. Virei fã desse lutador de palavras e o que mas me marcou foi o desenvolvimento literário e social desse negro franzino, que lutava por todas as maneiras para sobreviver – Nota 1000 – Valeu. Morreu o primo Lobatinho em Porto velho de derrame cerebral.
14.07 - Domingo
01:10 - Duvida ou escolha. Não se leio ou escrevo. Estou escrevendo um poema depois de muito tempo. Minto, o fiz em Pinheiro, depois de muita ‘lera’ e 10 rositas – mui loco as 4 ultimas fizeram o efeito. Ébrio sem beber.
15.07 - segunda-feira
Terminei o Dunbar e finalmente conseguir um Kerouac (Subterrâneo), falta um J.D.Salinger (Apanhador no campo de centeio), o poeta americano Whitman e assim ter o maior contacto com a poesia ianque, falta Ginsberg. Cada dia que passa mais besta fico, esquecendo as coisas essenciais de um poeta ou melhor de um literato, istoé um bom conhecimento gramatical. A perda da memoria é bem acentuada, já não sei escrever as palavras certas que antes dominava. Será que morrerei e nada deixarei para a humanidade. Sou vitima de mim, me suicídio e o pior, tenho consciência disso e nada faço para me corrigir, pelo contrário, quanto mais melhor. A vida literária acabando, todo o sonho quebrando e continuou o mesmo. Se eu quisesse, hoje estaria com livros publicados e conhecido nos meios intelectuais da ilha. Mas a vida é feitas por mãos alheias, não adianta ser aquilo que não somos. A principio a poesia brotava como agua, hoje única cosa que brota é ‘dondons’ e pra quê? Apenas para vacilar e nada mas. Leio e nada produzo. Sou mais leitor do que autor. Espero não perder o gosto da leitura.
Fiz uma pausa para ver se saia um poema, pura perda de tempo. Amanhã acordarei com uma bruta rebordosa – Tenho que preparar algo para aniversario de Princesa.
21:07 – Mãos tremulas e uma louca vontade de escrever qualquer coisa, mesmo besteira – com sempre. O mal é que nunca acreditei em mim, apesar do passado. Escrevi algo que talvez sirva para a aniversariante Fran, a Princesa. Compus um poema sobre o otário, todos somos. Não adianta cantar louvores, sem dizer a veracidade. E essa é a realidade toda. Depois de 15 minutos de pausa, resolvi voltar ao passado. Organizarei o tão sonhado livro de poesia, encontrei o antológico poema “Itinerário Poético & Espiritual do Desterro” – que por sinal será o título do livro.
16.07 – Terça-feira
09:15 – Começarei a batalha para selecionar os melhores poemas que já escrevi. Refiz “São Luis das seis horas”, acho que ficou melhor.
19:25 – Acabei de chegar da procissão do N.S. do Carmo. Continuou na labuta, espero aprontar antes do fim do ano. O esboço finalizei, intitular-se-á “Itinerário Poético & Espiritual do Desterro” é composto de três poemas, dois longos abordando o mesmo tema e assim sucessivamente. Escrevi o cartão de aniversario de Francy, amanhã se Deus quiser enviarei. Aproveitei um dizeres que fiz ontem, acho que ficou legal.
17.07 – Quarta-feira
Devo dividir o trabalho em dois: o literário e o serralheiro. A poesia ainda é latente, reli um poema que escrevi em Pinheiro, maravilhoso. Continuou em duvida quantos poemas devo colocar no esboço. Desconfio que morrerei solteiro, pis estou vivendo pessimamente o amor. Confesso que existem garotas que me atraem – principalmente as irmãs de Wiliame, duas formosuras. Mas será que elas gostam de mim como amigo ou como um futuro namorado? Conversei com o meu querido pai (se o livro sai, dedicarei a ele). Espero não o decepcionar – mas do jeito que vou levando a vida, não sei não. Não viverei muito tempo, a tendencia é cair num poço sem fundo. Aliás já estou nele, viciado sem perspectiva de recuperação. Esqueci de enviar o aerograma de Francy. Amanhã colocarei. Sempre me contradigo.
01:00 da manhã – Farei o possível para dormir, amanhã é longo e muito trabalho difícil pelo dia – boa noite.
18.07 – quinta-feira
Recomecei a fase braba do consumo, de 10 subiu para 15 e a tendencia é voltar as 20,24 e assim por diante. O projeto parou por falta de papel. Kerouac continua comigo, espero termina-lo -é um escritor que admiro, tanto literariamente como a vida agitada e maluca que levou. Falta apenas o Ginsberg, o poeta subterrâneo. Já passei da meia-noite, o dominó voltou depois de dois dias ausente. Ganhei 10 mil e restou apenas mil e duzentos cruzeiros, com essa perspectiva o fim de semana será devagar, sem saldo positivo. Preocupo-me com meu colega Rudakoff, a indícios de sujeira, espero de todo coração que tudo saia bem. Estou meio cabreiro, quando o euforismo é latente é prenuncio de que uma sujeira vem por ai, espero que seja no âmbito familiar e não policial. Mas do jeito que sou azarado pode acontecer ao contrario ou talvez algo mais terrível de que os dois. Tentei Kerouac, não deu, tenho uma Veja, vou tenta lê-la e li algumas páginas – recebi um convite do primo Luis para participar de um sarau poético na igreja dos Remédios.
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19.07 – Sexta
Datilografei o Itinerário e estou tentando terminar a segunda parte e me entristeço – Acho que ninguém entenderá a mensagem nele contido, se há alguma? O sonho de publicar fica mais difícil ainda, talvez daqui a cem anos, algum maluco descobrirá os meus poemas e os publique. Uma coisa posso afirmar, sou o que sou mesmo buscando o impossível, sabendo que não há perspectivas animadoras. A mente fervilha, é planos literários de todas asa espécies, mas quando pego a caneta e o papel tudo se embaralha e não sai nada. Por isso adotei o sistema de escrever somente o necessário. Ultimamente as dores na costa perto dos rins têm sido frequentes, o conselho familiar acha que é a coluna. Fico em dúvida – tenho pressentimento que ainda morrerei com uma doença desgraçada que varia de tuberculose, câncer no fígado, calculo renal ou das hemorroidas ou algo pior que todas essas juntas. A oficina virou atelier em vez do barulho do ferro, é o dedilhar da máquina de escrever - os serviços diminuíram bastante e o que faturei nesta semana já foi para as farmácias.
11:45 – Encerrarei o expediente. Acabei o projeto, agora é esperar.
15:40 – Continuou eufórico, prenuncio de sujeira. Oito já se foram e daqui a pouco serão doze e o que tudo indica, hoje ficará em 20 ou 24. Contactei com o meu velho amigo o poeta Manuel Lopes, dependo da avaliação, pedirei que ele faça a apresentação do livro
24:40 – Louco e sem vontade de escrever, 22 sonhos cor de rosas.
20.07 – Sábado
09:15 – 4 já se foram, hoje parece que o agito e o vacilo andarão juntos. Tenho que me conscientizar que de 15 para cima sou improdutivo, o exemplo está na cara, serve somente para joguinho de dominó. Financeiramente estarei sem nada, tenho que comprar mais 20 prá amanhã e disponho de um fundo de 5 mil cruzeiro. Vou batalhar ou melhor cobrar quem me deve. Nada. O mais importante o fundo vai morrer, isto significa ‘se’ papai não me adiantar uma verba de participação, estarei na lona.
10:30 – Rolou mais 4 – hoje é dia de vacilo.
14:30 - Estou no escritório central, não sei se durmo. Vamos ver como fica. Conseguir vencer o sono, rodei mais 4, segundo as estimativas ficará entre 24 a 30.
18:18 – 16 e o pior vem ai.
21:06 – Saindo, completando 28 e mui loco. Saindo novamente. Deus guiará o meu destino.
22.07 -Segunda
Domingo de muito grode, fumei unzinho e vacilei na casa de Wiliame – li alguns dados sobre astronomia para seu Mario Cego. Enfim compraram um dominó de osso.
23:30 – Indeciso e cansado – Obrigado Senhor por mais um dia vivido com prazer.
23.07 - terça-feira
09:30 – Lendo Tex, oficina parada. Remeti os originais a Douglas para xeroca-los, espero que dê tudo certo. Busco fonte alternativa de inspiração como os poemas musicados de Bob Dilan e o livro de Kerouac.
19:30 - Ganhei um Nauro Machado “Do Eterno indeferido” – agora terei inspiração necessária para o nada. Hoje morrerei com quinze – Talvez essas fraquezas se originam da falta de vitamina B12.
23:00 – Conversei longamente com papai, os temas variaram; trabalho, as dificuldades financeiras no comercio e na oficina. Gostaria de satisfaze-lo, mas infelizmente eu gosto do que pratico – (optalidon e lera), sabendo que eles me levarão a lugar nenhum.
Separei ou melhor tirei da caixa, os livros de poesia que vão de Manuel Lopes, Jorge de Lima, Gibran, Nauro “Os Parreirais de Deus”, João Cabral de Melo Neto e uma antologia nacional e o Novo Testamento.
24.07 – quarta
A oficina a espera dos fregueses, os poemas a procura de um editor, o fiado astronomico na Banca do Irmão da Magalhães de Almeida – cem mil cruzeiro.
Finalmente o projeto xerocado, agora é distribuir entre os poetas e saber as suas opiniões. Ontem roubei um livro, aquele de Nauro da Banca do Irmão. Li “Cão Sem Pluma”. Chove e pode ter inundação aqui em casa.
Dei uma volta e fiz companhia a papão no comercio, estávamos na expectativa da enchente e a chuva continua. Obrigado Senhor!
25.07 – Quinta-feira
Saio em busca da esperança e descarto as falsas. O projeto com os poetas Manuel Lopes, Carlos Cunha e João Ribeiro,o Joãozinho.
Pela manhã eu e Wiliame fomos a escritório da Cohab no Outeiro da Cruz para ele resolver o problema da casa e na volta viemos a pé e o sapato descolou, mas achamos um bom sapateiro no Monte Castelo que colou e não cobrou-nos nada. A tarde quando me preparava para um cochilo, o doido do Wil apareceu e lá fomos nós campear – Primeiro no Sioge, informar-me sobre o plano editorial, depois subimos para a Deodoro e ao Diamante na casa da minha madrinha, na volta encostamos na radio Cidade, ver o programa de Frank Matos e por ultimo no poeta Carlos Cunha na Rua do Sol.
Estou cabreiro com tanta alegria. Deitado com medo de dormir. Olho para Kerouac e a visão duplica. Esperando o Jornal Nacional.
26.07 – sexta
Uma hora da madrugada. É hora de morgar
Manhã Rebordosa, sobrevivendo as nuvens de cansaço e das mentiras de mano Biné. Dona Arinéia preparara-se para engomar as roupas.
27.07 – sábado
Tarde – assisto “O Otario” com Jerry Lewis.
29.07 - segunda-feira
Manhã – Final de semana ruim, graças a a Deus nada de grave. Cansado, apesar de dormir amanhã toda. As unhas arrancadas do pé doem. Assim como Jorge Amado consagrou a Bahia nos seus romances, farei o mesmo com o meu amado Desterro. Continuou com Kerouac e tome ‘bola’.
Noite – Dominó no canto, li alguns poemas de Nauro, maravilha – a situação continua braba e nada de serviço.
31.07 - quinta-feira
Sem expectativa de melhoras, os dedos doem. Quando perdemos a fé em tudo que poderia dar certo, acredito que as vezes dizemos que a perdemos, que é nula, nutrir falsas mas lá no fundo, bem fundinho algo diz bem baixinho que vem coisa por ai – ou boa ou ruim – mas que vem vem.
Conversei com papai, é maravilhoso ouvi-lo, mas infelizmente é difícil segui-lo.



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