Memento

Data 28/09/2025 08:05:06 | Tópico: Poemas


não desdenhaste
à partida de uma
vida que desconhecias

ao contrário
corrias alegre
à volta das borboletas
sem esperanças

sem amanhãs ou
futuros, apenas hoje
agora e já
que a vida é como
o arco-íris
aparece molhada
e colorida
se seca

tu e o avô
dois sentados ao portão
quem passa na rua
às tardes inteiras
alguns param para conversar
as tuas sandálias não tocam o chão
poisas os pés no ar

apetece-me fumar
à avó que traz os cigarros
no bolso do avental
oh avô, mas se fumaste
há bocado
para que queres tu outro
vai pedir à avó
poisas as sandálias no chão
avó é isto e isto
e eu vou para o campo
apanhar dentes-de-leão
vimos as duas, avô
então o tabaco
ainda não está na hora
ok para ti, tu tens de esperar
boa, mas que porra mulher

no rio
as mulheres lavam a roupa
nas lisas pedras pretas
cantam
ao ritmo do sabão
e da corrente

deve ser um pouquinho
chato ter de lavar e bater
aquilo tudo que vai
depois na cabeça
para pendurar
e não para
pendurar na cabeça
é isto ser mulher
ser avó
ser mãe, não sei
não estou com ela
o dia todo, só à noite
não conta
eu sou mulher?
ná... eu sou criança
também não conto
a avó diz que leio demais
o avô que eu não paro quieta
nunca estou bem
se for para a eira
não me chateiam
AVÓ, JÁ VOU
avô já vou

deito-me no meio do milho
a olhar o céu azul da tarde
silêncio quase absoluto
fecho os olhos


e lembro-me
dos avós
da eira, da casa, do banco
na rua que agora é diferente

de mim


o que raio me aconteceu?








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