
Diarios de oficina & pensão - VI
Data 28/09/2025 18:16:42 | Tópico: Textos
| Quinta-feira, seis de dezembro
Entrei no mercado ainda morto, apenas uma verdureira arrumava a banca. Do outro lado as serras elétricas trinavam nos açougues. Remedi a grelha pela enésima vez, tinha receio de tê-lo escrito errado. O faxineiro temporário Seu Paulo varria, o titular Seu Pananã goza de uma merecida féria. - O sr. veio cedo - comentou apoiado no cabo de vassoura.
Seu Obina briga para dar partida no 'possante' - depois de várias tentativas em vã e o fedor inebriante da gasolina, o motor pega numa explosão para segundos depois morrer engasgado. - Ei, irmão - saúda-me o carroceiro louro, ex-pescador do alto mar, puxando a mula pelo cabresto e a carroça chapada de cacarecos . Uma baixinha gostosinha, toda apertadinha séria como uma governanta alemã vai para academia. Um friozinho enjoado, o céu fechado por nuvens plúmbeas - e uma sequencia de canções do mestre João do Vale - um dueto histórico com Jackson do Pandeiro: "A ema gemeu no pé do juremá"
Seu Obina triste senta-se na cadeira. Pelo smartphone mostra-me a foto de um Corsa Classic que pretende trocar pelo velho e cansado 'possante'. Levanta-se bruscamente como um boneco de mola, vai até a beira da calçada e faz o sinal para seu amigo Seu Raimundo parar o carro
A grelha pela metade. Uma surpresa agradável, Gilberto Zé Meleiro veio-me trazer os vinte reais da solda de uma mesa de um mês atrás. Nem contava mais com esse dinheiro. Aleluia! Aleluia! assovio a música de Haendel.
Faz vinte anos que o mestre de Pedreira João do Vale nos deixou e foi cantar lá no céu. O poeta do povo e suas canções simples contando as coisas de sua terra - Maria Betania "Carcará". O João vive em nossos corações.
Pensão - começo da tarde - o fedor forte de mofo exala da toalha que ainda não enxugou. Estou nas páginas finais de "Coiote" - Enxugo a ultima lata de Glacial, a bicicleta da Sorveteria Nobel conclama os seus clientes com "novos sabores de sorvetes".
Finalizei a leitura de "O Coiote" de Roberto Freire, uma loucura bem escrita. Agora volto a reler os meus bons clássicos, muitos deles esperam a continuação.
A noite Deu-me uma vontade louca de reler "Fome" de Knut Hamsun, mas não encontrei em nenhum site. Li um trecho de "As Raparigas em flor" do mestre Proust.. Paul Theroux visita Shaoshan, a aldeia natal do grande timoneiro Mao Tsé-tung - uma cidade abandonada, ninguém mais a visitava - no auge quando ele era vivo recebia oito mil visitantes por dias. Um culto festivo lá embaixo dos irmãos da Assembleia de Deus; "Em nome de Jesus, amém a Gloria a Deus" - encerra o pastor conclama os fieis presentes para comparecer ao próximo encontro na casa do irmão Câmara. Proust como gostaria de ler todos os livros de "Em Busca do tempo Perdido" - tenho apenas dois, são sete volumes. Proust é divino, diferente no trato narrativo. Um pouco de Miller para encerrar mais um dia
Freitag, 07 de dezembro
A alma congela-se quando penso nos problemas insolúveis que podem acontecer. Entrego tudo nas mãos de Deus - Ele é o Senhor dos destinos. Tempos negros chegarão. - Deixa dar oito horas que vou tentar subir com ele - falou-me Seu Obina, parceiro de todas manhãs e vizinho do lado acendendo um cigarro, o cheiro forte de gasolina. -, O problema é a subida - conclui balançando a cabeça. - Seis e meia - da locutora da Universidade Fm. Trouxe Martin, "Guerra dos Tronos - I" que Janos presenteou-me para acompanhar-me nessa ociosa manhã. Uma parte do céu abriu, deixando uma nesga azul e as nuvens de carneirinhos. A língua ferida. A bomba orgiástica de Wilheim assemelha-se a aquela cena de "O perfume", quando vão decapitar o perfumista e ele lança no ar um preparado especial e todos ficam nus e começam a carnificina sexual, até os insensíveis verdugos abraçam-se e se amam loucamente.... em o "Coiote", ocorre o mesmo, após a discípula de Reich e interprete de Shakespeare no original lança a bomba no meio da pancadaria dos Pms nos coiotes. Não basta ser bom, tem que ter muita sorte e uma brilhante estrela - sem esses elementos primor dias a coisa não rola. Mesmo assim luto, as vezes penso em desisti, mas logo retorno a guerra e olha que já perdia varias batalhas.
O meu nobre colega Bardaux e seu ajudante Alex Puro lutam para concluir o portão do baixinho. - Dez horas e dez minutos - Diz a apresentadora Gisa Franco com sua voz grave. Aleluia!Aleluia- entreguei a grelha e coloquei no lugar. Chamei Seu Biné, le presidente para aprova-la, pisou em cima dela: - Agora sim - disse e o acompanho-o até o escritório para assinar o recibo e receber os vinte reais restantes. Deixei a metade com Vv. Senhoria que estava na beira da pia, cortando e temperando a carne para o almoço dos pensionistas e a filha menor passava pano molhado na exígua sala de estar. De longe avistei no pátio externo da Igreja N.Sra. do Povo, no fundo da praça das Sete Palmeiras uma muvuca aglomerada numa fila mal organizada esperava impacientes a distribuição dos peixes da prefeitura. O mestre da pantomima, o divertido palhaço Mincharia no carro de som anunciava a inauguração de uma loja não sei aonde.. Seu Alex suado nas finalizações do portão sob a supervisão do Mestre Bardaux. As mulheres e homens descem com suas sacolas pesadas e cheias de peixes doados pelo prefeito, O respeitável Sr. Kanf amarrando os andaimes na grade da janela de Seu Mario, para pintar a parede externa que fica dentro do terreno da Madeireira Bastos. Um emissário com um carro de mão veio buscar o portão do baixinho e a equipe segue atrás para montar uma porta de rolo. - Vou deixar ele que nem um crivo - vangloriou-se um caboquinho para o parceiro - Para ele respeitar maluco - Não - concordou
Onze e pouca. Começo a viagem Machadiana com a releitura de ""Memorias Póstumas de Brás Cuba"," que achei aleatoriamente aqui na oficina no meio de outros livros amontoadas na entulhada mesinha estropiada.
Pensão - a quarta lata. Preparei a minha gororoba de toicinho frito com camarão. Abro a outra banda da janela, aproveitando o dia ensolarado. Segundo Nha Pu estamos no começo do inverno. Estou sempre em estado de alerta. Reponho alguns livros nos seus devidos lugares. tentarei concentrar-me em Machado de Assis e outros escritores conterrâneos. è a retrospectiva nacionalista. Mas é phoda, bate uma saudade de Miller ou de Bukowski ou Kerouac e outros
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