
A reinvenção do humano
Data 07/10/2025 17:46:32 | Tópico: Poemas -> Reflexão
| As palavras já não nascem — são fabricadas. Desfilam em vitrines digitais, Vestindo significados de aluguel. Falam sem respirar. E eu, entre elas, Tento ouvir o som que havia antes do verbo. Talvez o silêncio seja o idioma original, E toda fala, um exílio. Por isso escrevo com culpa, Como quem acende uma vela no meio do dilúvio. A memória é uma cidade que arde devagar. Cada lembrança é uma casa abandonada, Onde o tempo entra sem pedir licença. Eu visito essas ruínas com ternura e medo, Colecionando cinzas como quem guarda flores. O passado é um cemitério Onde os nomes ainda respiram, Mas já esqueceram quem são. Os deuses morreram de cansaço, Não de descrença. Foram devorados pelas preces automáticas, Pelos algoritmos que calcularam o mistério. Hoje, o altar é uma tela, E o milagre, um erro de sistema. Mas ainda há faísca no escuro: Às vezes, o divino sussurra nas falhas da conexão. O humano é uma forma inacabada. Somos o rascunho que o criador esqueceu de apagar. Talvez devêssemos orgulhar-nos disso: Há beleza na imperfeição que respira. Quero crer que a salvação está no fracasso, Na ternura de quem continua tentando, Mesmo sem promessa de céu. Reinventar o humano é aceitar o erro como pai, E a sombra como mãe. Quando tudo ruir, Os sonhos, as máquinas, os mitos, Voltaremos a ser barro e sopro. E nesse instante primordial, Quem sabe, o Éden renasça de cabeça para baixo: Um paraíso feito de imperfeitos, Onde o pecado É apenas um outro nome para a liberdade. Poema: Odair José, Poeta Cacerense www.odairpoetacacerense.blogspot.com
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